[Ciência económica] Nick Hanauer: "Os ricos não criam empregos".

Recentemente um discurso na TED foi censurado (isto é: houve uma recusa por parte da TED e portanto não foi disponibilizado tal como é habitual) por ser "demasiado controverso e politizado".
Em apenas 6 minutos Nick Hanauer (que é um empresário que faz parte da classe alta norte-americana) apresentou a sua leitura sobre a dinâmica da criação de emprego numa sociedade capitalista e afirmou que as medidas que aprofundam a disparidade entre ricos e pobres (que diluem a classe média), contribuem na verdade para um decréscimo na demanda e, como resultado, menos emprego, muito ao contrário do que é propagandeado. Segundo ele, "Os ricos não criam emprego, a demanda por parte da classe média e baixa é que fornece as condições para a criação de emprego". Avisa que não faz sentido sufocar a classe média e baixa com impostos cada vez mais altos enquanto os mais ricos beneficiam de uma redução de impostos sob o pretexto de poderem criar emprego dessa forma.

Abaixo ficam um artigo e um vídeo a comentarem a decisão da TED e no final deixo os 6 minutos de discurso de Nick Hanauer para poderem visualizar.
Quais são as vossas observações em relação ao assunto?

Citação :

TED rejeita palestra de um capitalista contra o papel dos capitalistas

"Um comum consumidor da classe média cria muito mais emprego do que um capitalista como eu." A frase é do multimilionário norte-americano Nick Hanauer e foi proferida numa das famosas conferências da TED, no dia 1 de Março. Dois meses depois, os responsáveis da fundação privada sem fins lucrativos recusam-se a publicar o vídeo da palestra, por considerá-la "muito politizada".

Artigo completo @ http://www.publico.pt/Mundo/ted-rejeita-palestra-de-capitalista-contra-papel-dos-capitalistas--1546617


Vídeo a comentar o assunto:





Discurso de Nick Hanauer:





Material adicional:

Spoiler:

lol, ainda não li o post, mas assim que olhei para isto, lembrei-me da Church of the Flying Spaghetti Monster:

Averróis escreveu:

...ontem li uma notícia sobre a censura que a TED fez ao discurso desse sujeito e fiquei curioso com o conteúdo do mesmo. Obrigado por teres condensado isso aqui, um dia destes investigarei.

Kraft durch Freude escreveu:

lol, ainda não li o post, mas assim que olhei para isto, lembrei-me da Church of the Flying Spaghetti Monster:

Os piratas começaram a decrescer em número porque estavam a preparar-se para navegar noutro tipo de cenários, if you know what I mean.

Já li gente a dizer que "há bem mais razões pelas quais o número de desempregados aumentou, logo esse gráfico induz em erro!". É verdade que há estatísticas que por vezes são usadas (e abusadas) de forma desonesta, irrealista, manipuladora. No entanto aqui as figuras do gráfico estão dentro do contexto e lógica inicial oferecida para os cortes de impostos nos ricos. Neste caso não é estar a pegar em dois valores completamente independentes e irrelevantes para o assunto: O gráfico fornece uma conclusão que está em contradição directa com aquela que os políticos queriam insinuar quando implementaram os cortes nos EUA (e em geral nas sociedades capitalistas) sob o lema da facilitação da "criação de emprego". Não há mais emprego após os cortes de impostos aos ricos (para sensivelmente 15%) e a subida de impostos aos pobres (para cerca de 35%), há menos emprego, bem menos e é esse o problema. Por onde quer que tentem pegar no assunto, o facto é que cada vez menos pessoas empregadas não é, jamais, sinónimo de "mais emprego". Será possível racionalizar um pouco e procurar explicações múltiplas para algumas diferenças, mas no final do dia a conclusão é inegável, não há mais emprego.
Por outras palavras, o gráfico é acima de tudo uma refutação que compara as duas variáveis "emprego/desemprego" e "redução de impostos sobre os ricos «criadores de emprego»", cuja relação tinha sido propagandeada de uma forma que não está a reflectir-se na actualidade.

Creio que a argumentação oferecida Nick Hanauer -- apesar de não ser nada de revolucionária/nova -- é bastante lógica e negligenciada frequentemente: A demanda por parte de uma população geral (e não uma minoria) com bom poder de compra e a consequente circulação do dinheiro (em vez de estar sequestrado na classe alta) são componentes essenciais para uma economia funcional. Todas as partes envolvidas são importantes e se o dinheiro estiver sequestrado numa só parte, deixa de existir a dinâmica necessária para a sustentabilidade da própria economia (aquilo que ele chama de "ecossistemic feedback loop").

Kraft durch Freude escreveu:

...ontem li uma notícia sobre a censura que a TED fez ao discurso desse sujeito e fiquei curioso com o conteúdo do mesmo. Obrigado por teres condensado isso aqui, um dia destes investigarei.

You're welcome.

Já li o que aqui colocaste. Falta-me ver os vídeos.

Citação :

Não há mais emprego após os cortes de impostos aos ricos (para sensivelmente 15%) e a subida de impostos aos pobres (para cerca de 35%), há menos emprego, bem menos e é esse o problema.

O problema do argumento é precisamente este. Só a partir dos valores dos impostos e da taxa de desemprego (como mostrado no dito gráfico), não se pode concluir que, se não tivesse havido redução dos impostos para os ricos, a situação do emprego não seria agora muito pior. A realidade é muito mais complexa do que apenas essas duas variáveis.

Tentar usar um só gráfico que correlaciona duas variáveis sem justificar devidamente a sua relação, tentando a partir dessa simplificação da realidade inferir conclusões para um contexto muito mais complexo e no qual interferem muito mais factores é perigoso e pode levar a conclusões muito erradas. Chama-se a isto "brincar com estatísticas".


P.S.: "demanda" em português diz-se "procura".

Kraft durch Freude escreveu:

Já li o que aqui colocaste. Falta-me ver os vídeos.

Citação :

Não há mais emprego após os cortes de impostos aos ricos (para sensivelmente 15%) e a subida de impostos aos pobres (para cerca de 35%), há menos emprego, bem menos e é esse o problema.

O problema do argumento é precisamente este. Só a partir dos valores dos impostos e da taxa de desemprego (como mostrado no dito gráfico), não se pode concluir que, se não tivesse havido redução dos impostos para os ricos, a situação do emprego não seria agora muito pior. A realidade é muito mais complexa do que apenas essas duas variáveis.

Tentar usar um só gráfico que correlaciona duas variáveis sem justificar devidamente a sua relação, tentando a partir dessa simplificação da realidade inferir conclusões para um contexto muito mais complexo e no qual interferem muito mais factores é perigoso e pode levar a conclusões muito erradas. Chama-se a isto "brincar com estatísticas".


P.S.: "demanda" em português diz-se "procura".

Ele não baseou a argumentação apenas e só em torno do gráfico e não foi apenas "um só gráfico", foram vários. Efectivamente falta-te ver o(s) vídeo(s). Foram feitas observações em relação à lógica do que os ingleses chamam de "trickle-down theory", e o porquê dele achar que ela não está a dar em nada, tendo em conta o cenário que se tem visto.
Há certamente múltiplas variáveis em jogo, tanto internas como externas. Dá para ver, por exemplo, a forma como as economias se afectam umas às outras (não é por acaso que, de repente, tantos países da Europa estão com dificuldades financeiras).
No entanto muitos dos países europeus que têm uma economia decente -- com ou sem crise europeia e ao contrário da portuguesa -- são normalmente aqueles que têm uma disparidade mais reduzida de salários entre ricos e pobres. Ou seja, o coeficiente de Gini não é tão estridente. Na Escandinávia e na Alemanha, por exemplo, a discrepância entre ricos e pobres não é tão profunda.
E quando falo em economia decente, não falo apenas em poder económico concentrado por um estado que faz o que quer enquanto o povo vive em condições pouco recomendadas: Exemplo disso é a China, que é poderosíssima economicamente mas na prática muita da população está longe de ter as melhores condições de vida, ou seja: o poder da economia chinesa não está propriamente a ser canalizado para o bem estar da população geral como acontece nos exemplos que já referi. O Coeficiente de Gini analisa precisamente isso: se um país tem enormes disparidades ou não.

P.S.: Segundo percebi até hoje, "demanda" na gíria económica é sinónimo de "procura", podem ser usadas ambas as palavras, eu pelo menos tenho reparado no uso de ambas.