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 A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas

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MensagemAssunto: Re: A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas   A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas Icon_minitimeQua Abr 24, 2013 12:13 am

Averróis escreveu:
Aplica-se ainda nos dias de hoje, apesar de todo o tempo que houve para aprender com os erros do passado:
A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas Ofxaie

Eu já estou habituado a ouvir ignorantes, que um belo dia acordam, e decidem que são historiadores, mas confesso: nunca deixa de me revoltar. Mesmo tendo em conta que a afirmação foi feita em 1927.

Em primeiro lugar, o homem estava a referir-se às instituições organizadas, que o fazem em nome de Cristo? Ou à (espécie de) filosofia cristã, propriamente dita? Ele por um lado diz "Christian Religion, as organized in churches." Por outro, conclui "Why I am not a Christian." É contraditório. É como fazer uma lista dos crimes de genocídio do Mao Tsé Tung e fundamentar esse facto como justificação de não se ser comunista. Ridículo e estúpido.

Efectivamente, o percurso de Cristo, figura histórica, e a doutrina que ele (alegadamente) defendia, não tem muito a ver com, por exemplo, os caminhos e ideologias seguidos pela Igreja Católica. Enfim, doutrinas e filosofias, são sempre passíveis de serem acatadas, rejeitadas e discutidas. Reconhecendo no entanto que um verdadeiro cristão fugirá a sete pés da Igreja Católica, bem como de todas as outras que desfraldam a bandeira de Cristo.

Do ponto de vista das igrejas cristãs, enquanto instituições organizadas, o senhor Russell devia ter estudado mais um bocadinho. E eu falo com todo o à vontade de alguém que abomina a Igreja Católica, e rejeita o Cristianismo, e toda e qualquer ideologia que eleve o Ser Humano a uma espécie semi-divindade, de forma generalizada, só pelo facto de pertencer à espécie a que pertence. Outra conversa.

No entanto, importa referir alguns factos. Vamos por partes:

Na Antiguidade Pagã, havia escravatura. No mundo Romano, os escravos eram, inclusivamente do ponto de vista jurídico, considerados coisas. O dono do escravo podia abusar sexualmente dele, e matá-lo. É certo que, com o passar dos tempos, os escravos passaram a ser tratados de forma mais "humana". Mas não deixavam de ser escravos. O Cristianismo organizado, que incluía a Igreja Católica, defendia o fim da escravatura. De resto, foi uma religião que teve bastante aceitação entre os escravos. Mais: O Cristianismo era perseguido pelo Império Romano, não por motivos religiosos - Roma era incrivelmente cosmopolita, havia lugar para todas as religiões - mas sim políticos. Os Cristãos punham em causa a estrutura social do regime. Que incluía a escravatura, e a veneração do Imperador como divindade.

Entretanto começa a Idade Média, e formam-se os reinos bárbaros. Com os constantes conflitos, há vencidos. E os senhores da guerra, rapazes de tradição e pragmatismo, mantiveram o hábito de condenar os prisioneiros - inclusivamente os cristãos - à escravatura. A Igreja Católica proíbe a escravatura dos cristãos, e pressiona os senhores a libertarem os escravos não-cristãos. Tentemos colocar-nos na Europa, há mais de 1000 anos. Isto foi uma medida incrivelmente humanista. E quem tiver um pouco de humildade, e inteligência, por certo conseguirá abstrair-se um pouco do seu pedestal de liberdades e garantias adquiridas - ainda... - e reconhecer isso. Principalmente os humanistas, e socialistas.

Em termos culturais: Os homens que sabiam ler e escrever, estavam todos, praticamente, na Igreja. Se conhecemos a História Medieval, apesar das insuficiências, é a lógica do copo meio cheio ou meio vazio, devemos esse facto, em grande parte, aos clérigos letrados, que foram produzindo documentos, das mais variadas naturezas.

Depois de ter varrido o fanatismo ideológico da primeira fase da Idade Média, a Igreja, ou sectores da mesma, recuperaram os autores clássicos. Inclusivamente, a Igreja foi beber influências a numerosas doutrinas de filósofos gregos da antiguidade. Como por exemplo Aristóteles. A Igreja difunde a teoria económica do preço justo, e condena a usura:


A finalidade da actividade económica é oferecer mercadorias e serviços à comunidade e capacitar cada membro da sociedade a viver com conforto e segurança. O seu objectivo não é fornecer oportunidades para que alguns se tornem ricos à custa de muitos. Os homens que se estabelecem nos negócios com o objectivo de ganhar o máximo de dinheiro possível não são melhores do que piratas ou ladrões. A única finalidade legítima do comércio ou qualquer outro negócio é prover à subsistência de uma família, proporcionar assistência aos pobres ou alguma vantagem pública, a fim de que não falte ao país nada do que é necessário à vida. - São Tomás de Aquino, Suma Teológica, Artigo Quarto.

Toda a mercadoria tem o seu "preço justo", que é igual ao seu custo de produção. Nenhum mercador tem o direito de vender qualquer artigo por mais do que o seu valor, acrescentando uma pequena soma pelo serviço que ele presta com o tornar essas mercadorias aproveitáveis pela comunidade. Aproveitar-se da escassez para elevar os preços ou cobrar o máximo que o mercado comporta é cometer pecado mortal.

Nenhum homem tem direito a uma porção de bens terrenos maior do que precisa para atender as suas necessidades razoáveis. Qualquer excesso que possa vir ter às suas mãos não é justamente seu, mas pertence à sociedade.


Escreveu o historiador Edward McNall que:

"S. Tomás de Aquino, um dos mais notáveis filósofos medievais, considerava que, se o homem rico se recusar a repartir a sua fortuna com o pobre, é perfeitamente justo que se lhe tome o excesso. "

Bom, isto parece-me bastante revolucionário. Na verdade, qualquer socialista abraçaria estas ideias. Eu julgo que nem o PCP de hoje se atreve a propor medidas destas.

"A propriedade privada é uma usurpação execrável", disse Santo Ambrósio, um dos mais influentes Padres da Igreja. Lenine, se alguma vez o soube, certamente ficou confuso. Quiçá até um pouco invejoso.

Mais uma vez, remeto-vos para o contexto histórico que estamos a visitar.

Igreja Católica como mediadora de conflitos:

Os Senhores Feudais Medievais, nobres, poderosos, e sem nada que fazer, entregavam-se, não poucas vezes, ao seu desporto favorito: Andarem à pancada uns com os outros. Quem sofria? Os camponeses, e pequenos comerciantes, pois claro. A Igreja impôs numerosas limitações aos nobres, relativamente a esses combates, muitas vezes simples rixas pessoais. Nomeadamente: pena de excomunhão para quem lutasse em determinados dias. - Eram quase todos. - A, "War Season", chamemos-lhe assim, foi relegada, principalmente, para os meses frios do ano. Por motivos óbvios: com o frio que se fazia sentir, principalmente no centro da Europa, onde grande parte destas vicissitudes decorriam, havia esperança que os beligerantes perdessem a vontade de sair de casa.

Enfim, apenas para dar alguns exemplos. De qualquer das formas, as visões maniqueístas da História, que tendem a apresentar as realidades a preto e branco, normalmente, devem ser motivo de desconfiança.

Quanto a mim, sou um adversário convicto da Igreja Católica, e por minha vontade, fechavam as portas. Agrupamentos, regimentos, e comportamentos de massas, são a antítese de qualquer discussão, debate, e procura de sabedoria. Inclusivamente no campo espiritual e religioso. Portanto, e compreendendo que há indivíduos que apreciam a figura de Jesus Cristo, e que se identificam com a sua mensagem, que, julgo, é essencialmente pacífica e humanista, exorto os mesmos a seguirem o seu próprio caminho pessoal, longe de instituições hierarquizadas. De resto, é um conselho que serve para todos, independentemente das ideias que consideram mais interessantes. Também já se fizeram muitas patifarias em nome dos Deuses pagãos. Sacrifícios humanos, a habitual opressão das populações, etc. Onde houver seres humanos organizados, e escudados em instituições políticas, religiosas ou financeiras, entre outras, haverá, eventualmente, horror.

De qualquer forma, nesta altura do campeonato, embirrar com a Igreja Católica é manifestar uma incrível falta de visão das coisas.

Averróis, neste período histórico que estamos atravessar, tu consideras que a Igreja Católica ainda é o principal entrave à moral e ao progresso, entre outros valores louváveis? Como afirmaste que as considerações do Bertrand são actuais...? Não sei se tens consciência de como funciona o capitalismo especulativo, e se sabes quem o controla? Bom, e muito mais haveria para dizer. Mas fico surpreso.





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MensagemAssunto: Re: A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas   A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas Icon_minitimeSáb Abr 27, 2013 9:22 pm

Aelle escreveu:
Eu já estou habituado a ouvir ignorantes, que um belo dia acordam, e decidem que são historiadores, mas confesso: nunca deixa de me revoltar. Mesmo tendo em conta que a afirmação foi feita em 1927.

Não deves estar a falar de Bertrand Russell, certamente...

Aelle escreveu:
Em primeiro lugar, o homem estava a referir-se às instituições organizadas, que o fazem em nome de Cristo? Ou à (espécie de) filosofia cristã, propriamente dita? Ele por um lado diz "Christian Religion, as organized in churches." Por outro, conclui "Why I am not a Christian." É contraditório. É como fazer uma lista dos crimes de genocídio do Mao Tsé Tung e fundamentar esse facto como justificação de não se ser comunista. Ridículo e estúpido.

Talvez fosse boa ideia leres a obra completa, que tem esse título, ao invés de tirar conclusões sobre uma única citação. http://www.users.drew.edu/~jlenz/whynot.html
Ele refere-se às instituições organizadas, a massa associativa que se organiza e dessa forma tem exercido força política e social. Não há qualquer dificuldade em perceber a que cristãos se refere.
Não vejo onde é que está a contradição para estares a dizer que é contraditório.
Por acaso ele tem uma publicação "Why I am not a communist". Recomendo-te a fazeres uma leitura.


Aelle escreveu:
Efectivamente, o percurso de Cristo, figura histórica, e a doutrina que ele (alegadamente) defendia, não tem muito a ver com, por exemplo, os caminhos e ideologias seguidos pela Igreja Católica. Enfim, doutrinas e filosofias, são sempre passíveis de serem acatadas, rejeitadas e discutidas. Reconhecendo no entanto que um verdadeiro cristão fugirá a sete pés da Igreja Católica, bem como de todas as outras que desfraldam a bandeira de Cristo.

Vais dizer-me que o Cristo ("Cristo" é um título e não um nome) -- conforme descrito na bíblia -- é moral e não apoia discriminações com base em sexo, escravatura, etc?
Ou estás a falar de um presumivel Cristo que não é o que vem descrito na bíblia? Esse Jesus é descrito onde, então? Qual é o historiador que fala dele em fontes extra-bíblicas? (tendo em conta que os livros da própria bíblia que abordam o Cristo foram escritos dezenas de anos depois da sua suposta morte).

Aelle escreveu:
Do ponto de vista das igrejas cristãs, enquanto instituições organizadas, o senhor Russell devia ter estudado mais um bocadinho. E eu falo com todo o à vontade de alguém que abomina a Igreja Católica, e rejeita o Cristianismo, e toda e qualquer ideologia que eleve o Ser Humano a uma espécie semi-divindade, de forma generalizada, só pelo facto de pertencer à espécie a que pertence. Outra conversa.

Podes dizer-me onde é que é inverdade aquilo que Russell afirmou? É que no presente continua a passar-se exactamente a mesma coisa, não há forma de esquecer que o cristianismo -- e não só -- enquanto força organizada, institucionalizada, tem agido de forma a atrapalhar e opor-se (de forma bastante ruidosa) a vários avanços civilizacionais em matéria de direitos civis. Isto não significa que todos os cristãos compactuem com a Igreja, nem que todos os religiosos são a favor da luta contra a atribuição de direitos civis a mulheres, ou a favor da escravatura, etc, mas significa que historicamente a massa associativa cristã organizada, com poder, tem feito tudo o que está ao seu alcance para se opor à concessão de direitos civis a diversos grupos, logo a começar pelas mulheres, passando pelos escravos e, ainda hoje, pelos homossexuais.

Assim de repente, em termos de direitos civis:

-Apoio à escravatura;
-Perseguição de religiosos de outras denominações e religiões, bem como de "hereges", não reconhecendo o seu direito na sociedade;
-Durante as colonizações e conquistas, a imposição impiedosa do cristianismo, substituindo à força todas as crenças dos colonizados/conquistados;
-Oposição ao divórcio;
-Apoio à segregação racial e oposição ao casamento inter-racial;
-Oposição à emancipação feminina, incluindo o sufrágio (e lembra-te que a mulher constitui aproximadamente metade da população). O sexismo continua enraizado na própria igreja, ao ponto da mulher não poder ascender a um lugar equiparável ao de um padre (madre), muito menos um comparável ao de um papa (papisa);
-Oposição à interrupção voluntária da gravidez;
-Oposição à eutanásia;
-Oposição dos direitos dos homossexuais, como é o caso do casamento;

Estes são alguns exemplos. Qualquer um deles é gravíssimo. Todos juntos, é demais. Principalmente vindo de uma organização que se diz divinamente guiada, comandada por um papa supostamente infalível.

Aelle escreveu:
No entanto, importa referir alguns factos. Vamos por partes:

Na Antiguidade Pagã, havia escravatura. No mundo Romano, os escravos eram, inclusivamente do ponto de vista jurídico, considerados coisas. O dono do escravo podia abusar sexualmente dele, e matá-lo. É certo que, com o passar dos tempos, os escravos passaram a ser tratados de forma mais "humana". Mas não deixavam de ser escravos. O Cristianismo organizado, que incluía a Igreja Católica, defendia o fim da escravatura.

Fonte?

Aelle escreveu:
De resto, foi uma religião que teve bastante aceitação entre os escravos. Mais: O Cristianismo era perseguido pelo Império Romano, não por motivos religiosos - Roma era incrivelmente cosmopolita, havia lugar para todas as religiões - mas sim políticos. Os Cristãos punham em causa a estrutura social do regime. Que incluía a escravatura, e a veneração do Imperador como divindade.

A bíblia é totalmente a favor da escravatura e estabelece até as condições em que ela pode ser efectuada. Não há nada, absolutamente nada, na bíblia que diga que a escravatura é errada e deve ser abolida. Pelo contrário, ela é incentivada e legitimada pelo "Senhor".

As religiões em geral, mas principalmente o cristianismo e o islamismo, eram bem aceites pelos escravos mas também pelos seus donos e pelas demais pessoas, exactamente porque são ferramentas de indoutrinação e controlo. Não servia para os libertar, servia para os dominar e tornar mais suaves. Diego de Landa e Cortés chegaram à América de bíblia na mão, com um objectivo. E certamente que não foi para serem fofinhos para os nativos. De igual forma, antes disso, em África as bíblias eram já usadas para amestrar escravos e dar-lhes uma nova identidade onde a atitude subserviente era encorajada.
A bíblia vai ao ponto de dizer o seguinte:

"Escravos, obedeçam a seus senhores terrenos com respeito e temor, com sinceridade de coração, como a Cristo.
Obedeçam-lhes, não apenas para agradá-los quando eles os observam, mas como escravos de Cristo, fazendo de coração a vontade de Deus."
[Efésios 6-6]

"Vós, servos, sujeitai-vos com todo o temor aos vossos senhores, não somente aos bons e moderados, mas também aos maus.
Porque isto é agradável, que alguém, por causa da consciência para com Deus, suporte tristezas, padecendo injustamente."
[1 Pedro 2:18-19]

Sublinho: Apoia-se a sujeição do escravo aos senhores que mandam neles. Não só os bons senhores, como também os maus e injustos, porque o sofrimento é agradável para Deus. Isto é moral?


Aelle escreveu:
Entretanto começa a Idade Média, e formam-se os reinos bárbaros. Com os constantes conflitos, há vencidos. E os senhores da guerra, rapazes de tradição e pragmatismo, mantiveram o hábito de condenar os prisioneiros - inclusivamente os cristãos - à escravatura. A Igreja Católica proíbe a escravatura dos cristãos, e pressiona os senhores a libertarem os escravos não-cristãos. Tentemos colocar-nos na Europa, há mais de 1000 anos. Isto foi uma medida incrivelmente humanista. E quem tiver um pouco de humildade, e inteligência, por certo conseguirá abstrair-se um pouco do seu pedestal de liberdades e garantias adquiridas - ainda... - e reconhecer isso. Principalmente os humanistas, e socialistas.

Podes fornecer fontes históricas para as tuas afirmações?


Aelle escreveu:
Em termos culturais: Os homens que sabiam ler e escrever, estavam todos, praticamente, na Igreja. Se conhecemos a História Medieval, apesar das insuficiências, é a lógica do copo meio cheio ou meio vazio, devemos esse facto, em grande parte, aos clérigos letrados, que foram produzindo documentos, das mais variadas naturezas.
Não era do interesse do clero nem da burguesia que o povo fosse educado. A educação do povo como a conhecemos hoje é uma preocupação relativamente moderna, tornada séria após o secularismo. Trata-se de um ideal do Iluminismo e é uma preocupação focada na emancipação colectiva das pessoas, ao invés de se insistir na total subserviência a que se assistia nas sociedades feudais, onde o poder do conhecimento (Scientia potentia est) era relegado a uma classe privilegiada. Se achas que ainda hoje em dia o povo é ignorante e não tem poder, então devias ver na altura.

Aelle escreveu:
Depois de ter varrido o fanatismo ideológico da primeira fase da Idade Média, a Igreja, ou sectores da mesma, recuperaram os autores clássicos. Inclusivamente, a Igreja foi beber influências a numerosas doutrinas de filósofos gregos da antiguidade. Como por exemplo Aristóteles. A Igreja difunde a teoria económica do preço justo, e condena a usura:


A finalidade da actividade económica é oferecer mercadorias e serviços à comunidade e capacitar cada membro da sociedade a viver com conforto e segurança. O seu objectivo não é fornecer oportunidades para que alguns se tornem ricos à custa de muitos. Os homens que se estabelecem nos negócios com o objectivo de ganhar o máximo de dinheiro possível não são melhores do que piratas ou ladrões. A única finalidade legítima do comércio ou qualquer outro negócio é prover à subsistência de uma família, proporcionar assistência aos pobres ou alguma vantagem pública, a fim de que não falte ao país nada do que é necessário à vida. - São Tomás de Aquino, Suma Teológica, Artigo Quarto.

Toda a mercadoria tem o seu "preço justo", que é igual ao seu custo de produção. Nenhum mercador tem o direito de vender qualquer artigo por mais do que o seu valor, acrescentando uma pequena soma pelo serviço que ele presta com o tornar essas mercadorias aproveitáveis pela comunidade. Aproveitar-se da escassez para elevar os preços ou cobrar o máximo que o mercado comporta é cometer pecado mortal.

Nenhum homem tem direito a uma porção de bens terrenos maior do que precisa para atender as suas necessidades razoáveis. Qualquer excesso que possa vir ter às suas mãos não é justamente seu, mas pertence à sociedade.


Escreveu o historiador Edward McNall que:

"S. Tomás de Aquino, um dos mais notáveis filósofos medievais, considerava que, se o homem rico se recusar a repartir a sua fortuna com o pobre, é perfeitamente justo que se lhe tome o excesso. "

Bom, isto parece-me bastante revolucionário. Na verdade, qualquer socialista abraçaria estas ideias. Eu julgo que nem o PCP de hoje se atreve a propor medidas destas.

Já estás a divagar no tema.
Além do mais, se souberes a história da Martinho Lutero, muito depois de Tomás de Aquino, repararás que a Igreja continuava a praticar a Simonia/Indulgências, que é pior ainda que a usura, já que nenhum serviço está a ser prestado, ao passo que na usura havia um serviço de empréstimo de dinheiro em caso de necessidade. Não sou a favor da usura / juros elevados, mas entre a usura e a indulgência/simonia, não tenho dúvidas que a indulgência é de longe pior por não haver qualquer serviço objectivo prestado, tratando-se apenas e só de um aproveitamento emocional das pessoas.


Aelle escreveu:
"A propriedade privada é uma usurpação execrável", disse Santo Ambrósio, um dos mais influentes Padres da Igreja. Lenine, se alguma vez o soube, certamente ficou confuso. Quiçá até um pouco invejoso.

Mais uma vez, remeto-vos para o contexto histórico que estamos a visitar.

Igreja Católica como mediadora de conflitos:

Os Senhores Feudais Medievais, nobres, poderosos, e sem nada que fazer, entregavam-se, não poucas vezes, ao seu desporto favorito: Andarem à pancada uns com os outros. Quem sofria? Os camponeses, e pequenos comerciantes, pois claro. A Igreja impôs numerosas limitações aos nobres, relativamente a esses combates, muitas vezes simples rixas pessoais. Nomeadamente: pena de excomunhão para quem lutasse em determinados dias. - Eram quase todos. - A, "War Season", chamemos-lhe assim, foi relegada, principalmente, para os meses frios do ano. Por motivos óbvios: com o frio que se fazia sentir, principalmente no centro da Europa, onde grande parte destas vicissitudes decorriam, havia esperança que os beligerantes perdessem a vontade de sair de casa.


Mediadora de conflitos? Isso é o mesmo que dizer que os americanos adoram a paz e mediar problemas no mundo, tanto que foram levar a paz ao Iraque, ao acabarem com o Saddam. Acabaram com o Saddam, sim senhora, mas e o resto? São uns mediadores algo curiosos... Muitas vezes a Igreja era o órgão poderoso que consentia legitimidade para esses conflitos, assinando acordos e tratados, como é o caso do tratado que legitimou o roubo de terras aos indígenas entre Portugueses e Espanhóis. A Igreja era preocupada com os católicos, com o in-group - e é normal que assim seja - mas com os de fora, nem por isso.
Esqueces-te ainda dos diversos períodos de perseguição aos pagãos que tu tanto dizes adorar, o extermínio de supostas bruxas/bruxos, o incentivo ao anti-semitismo e a perseguição de "hereges" (como é o caso de Giordano Bruno).


Aelle escreveu:
Enfim, apenas para dar alguns exemplos. De qualquer das formas, as visões maniqueístas da História, que tendem a apresentar as realidades a preto e branco, normalmente, devem ser motivo de desconfiança.

Quanto a mim, sou um adversário convicto da Igreja Católica, e por minha vontade, fechavam as portas. Agrupamentos, regimentos, e comportamentos de massas, são a antítese de qualquer discussão, debate, e procura de sabedoria. Inclusivamente no campo espiritual e religioso. Portanto, e compreendendo que há indivíduos que apreciam a figura de Jesus Cristo, e que se identificam com a sua mensagem, que, julgo, é essencialmente pacífica e humanista, exorto os mesmos a seguirem o seu próprio caminho pessoal, longe de instituições hierarquizadas. De resto, é um conselho que serve para todos, independentemente das ideias que consideram mais interessantes. Também já se fizeram muitas patifarias em nome dos Deuses pagãos. Sacrifícios humanos, a habitual opressão das populações, etc. Onde houver seres humanos organizados, e escudados em instituições políticas, religiosas ou financeiras, entre outras, haverá, eventualmente, horror.

Ora é exactamente por ter tendência histórica para se tornar numa comunidade fechada, dogmática, que defende ideias independentemente das consequências, que as críticas se aplicam. O Cristianismo tem sido de forma organizada, enquanto lobby, a bandeira ostentada por muitos movimentos responsáveis por se oporem ao que foi criticado por Russell e tantos outros. Inclusive o Vaticano em toda a sua força e peso (que já foi maior).
A falta de debate e de análise, uma aceitação acrítica das escrituras imorais.


Aelle escreveu:
De qualquer forma, nesta altura do campeonato, embirrar com a Igreja Católica é manifestar uma incrível falta de visão das coisas.

É manifestar uma não-amnésia e um contínuo tom de reprovação perante a recusa em aprender com os erros do passado.

Aelle escreveu:
Averróis, neste período histórico que estamos atravessar, tu consideras que a Igreja Católica ainda é o principal entrave à moral e ao progresso, entre outros valores louváveis?

O principal? Não. Não disse em lado nenhum que era o principal neste momento. O que acho é que após estes anos todos, pouco ou nada aprendeu e continua a tentar, mesmo em clima secular, opor-se à atribuição de direitos civils a pessoas que estão injustificadamente privadas de usufruir deles.
Historicamente, no ocidente não tenho dúvidas que tem sido de facto o principal entrave.

Aelle escreveu:
Como afirmaste que as considerações do Bertrand são actuais...? Não sei se tens consciência de como funciona o capitalismo especulativo, e se sabes quem o controla? Bom, e muito mais haveria para dizer. Mas fico surpreso.

Não são actuais? A Igreja não se está a opor à atribuição de direitos civis fundamentais aos homossexuais?
Em relação ao capitalismo especulativo, não é esse o assunto desta publicação.


Última edição por Averróis em Sáb Abr 27, 2013 10:14 pm, editado 2 vez(es)
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MensagemAssunto: Re: A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas   A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas Icon_minitimeSáb Abr 27, 2013 9:53 pm

Averróis escreveu:
Não são actuais? A Igreja não se está a opor à atribuição de direitos civis fundamentais aos homossexuais?
A que direitos civis fundamentais é que a Igreja se está a opor que sejam atribuídos aos homossexuais?
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MensagemAssunto: Re: A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas   A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas Icon_minitimeSáb Abr 27, 2013 10:11 pm

Kraft durch Freude escreveu:
A que direitos civis fundamentais é que a Igreja se está a opor que sejam atribuídos aos homossexuais?


Casamento, por exemplo. E é de lembrar que junto com o casamento há todo um conjunto de benefícios e direitos civis adicionais, condicionados pelo reconhecimento da validade dessa união.

"Chastity and homosexuality

2357 Homosexuality refers to relations between men or between women who experience an exclusive or predominant sexual attraction toward persons of the same sex. It has taken a great variety of forms through the centuries and in different cultures. Its psychological genesis remains largely unexplained. Basing itself on Sacred Scripture, which presents homosexual acts as acts of grave depravity,141 tradition has always declared that "homosexual acts are intrinsically disordered."142 They are contrary to the natural law. They close the sexual act to the gift of life. They do not proceed from a genuine affective and sexual complementarity. Under no circumstances can they be approved."

http://www.vatican.va/archive/ccc_css/archive/catechism/p3s2c2a6.htm

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MensagemAssunto: Re: A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas   A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas Icon_minitimeDom Abr 28, 2013 7:53 am

Averróis escreveu:
Kraft durch Freude escreveu:
A que direitos civis fundamentais é que a Igreja se está a opor que sejam atribuídos aos homossexuais?
Casamento, por exemplo.
Tendo em conta que a Igreja reconhece o casamento como a união entre duas pessoas de sexos opostos.... Os homossexuais não estão impedidos de contrair tal coisa.

O que se tem pretendido ultimamente é uma nova forma de união, a que decidiram dar o mesmo nome, mas que não é a mesma coisa que um casamento. E essa nova forma de união não é(ra) um direito fundamental.
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MensagemAssunto: Re: A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas   A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas Icon_minitimeSeg Abr 29, 2013 2:09 am

Kraft durch Freude escreveu:
Tendo em conta que a Igreja reconhece o casamento como a união entre duas pessoas de sexos opostos.... Os homossexuais não estão impedidos de contrair tal coisa.

O que se tem pretendido ultimamente é uma nova forma de união, a que decidiram dar o mesmo nome, mas que não é a mesma coisa que um casamento. E essa nova forma de união não é(ra) um direito fundamental.

Os homossexuais não estão impedidos de se casar porque podem casar-se na mesma com pessoas de sexo oposto? Ah! Já vi esse argumento usado algumas vezes e é das alegações mais tristes e desconexas que podem ser feitas a respeito deste assunto. Essa alegação é altamente desonesta e cínica na sua essência e usa como premissa fundamental a implicação de que jamais algum casamento a sério será celebrado entre pessoas do mesmo sexo, para além de ignorar deliberadamente a problemática que está em questão, dado que estamos perante pessoas que não estão apaixonadas por pessoas do sexo oposto mas que continuam a querer ter uma vida feliz, constituir família e tudo mais e que por isso mesmo estão impossibilitadas de concretizar os seus desejos que em tudo seriam válidos e humanamente compreensíveis, sem prejuízo de terceiros (dois adultos que consentem mutuamente a decisão), não fosse a discriminação injustificada da sua sexualidade a impedi-los. Alegar tal coisa é fechar os olhos ao resultado prático dessa discriminação, e esse tipo de posição é muito fácil de refutar: os homossexuais acabam de facto por não poder usufruir dos tais direitos (por mais que queiram), tal como o direito ao casamento homossexual dificilmente serviria de muito a um casal heterossexual que desejasse casar, numa situação hipotética onde apenas os homossexuais pudessem casar (portanto numa situação inversa à que existe actualmente em várias sociedades).

A homossexualidade não é uma opção, a heterossexualidade idem. Poder casar com um indivíduo do sexo oposto, quando se é homossexual (a homossexualidade é uma condição descritiva do indivíduo, não é prescritiva), é totalmente irrelevante, de nada lhe serve, já que o casamento almejado pelo indivíduo não pode ser concretizado por entrave de uma lei injustificada e que não passa de um resquício religioso que ainda persiste dos tempos onde a religião e a lei eram praticamente irmãs, em sociedades teocráticas ou semi-teocráticas. Não é a homossexualidade do indivíduo que tem de ser forçada a alterar-se para que haja a possibilidade da colheita dos benefícios do casamento. O que se pode alterar são as leis, que essas sim são estabelecidas pelo poder legislativo e devem ser submetidas a escrutínio e prescritas. A lei pode e deve ser alterada sempre que existirem razões e justificações para tal (e no caso de uma sociedade secular: sem interferência dos proponentes de escrituras religiosas), já a homossexualidade e a heterossexualidade não podem ser alteradas a bel-prazer. E mesmo no caso de indivíduos bissexuais, que com sorte até poderão usufruir do direito ao casamento com toda a completude e satisfação, mesmo a esses é absurdo exigir que só se possam casar caso calhe na rifa uma pessoa do sexo oposto.

Este assunto remete-nos até à lógica da ética da reciprocidade: É um bom princípio tratar os outros da forma como gostaríamos de ser tratados se estivéssemos na sua situação. Adicionalmente, é um bom exercício tentar projectar a sociedade desejável gerindo as situações com o princípio da posição incógnita, ao desconhecermos qual seria o papel social que nos iria calhar, na incerteza de podermos vir a ser os prejudicados ou os beneficiados de uma dada situação, para que se cumpra o tal princípio de justiça cega, imparcial, ao invés de partirmos sempre do princípio que quem acha que vai estar na posição privilegiada, em detrimento do prejudicado.

Não é um direito fundamental? O casamento (independentemente de ser um casamento religioso ou civil) é um direito fundamental, inclusivamente expresso na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Faz parte integral (até em termos legais) do processo de formação de uma nova família e sem a celebração do casamento (novamente: quer seja ele um casamento religioso ou secular) não se dá o reconhecimento da conjugalidade. Na prática isso significa que não se pode beneficiar de tudo o que daí resulta em termos de benefícios e direitos sociais, para além da concretização pessoal, o aspecto psicológico (emocional) e o seu simbolismo nas relações afectivas. E sim, disseste que essa "nova forma" é que não seria um direito fundamental. Mas não é uma nova forma. É a mesma forma, anula-se simplesmente um único filtro discriminatório e nada mais, tudo o resto é igual em todos os sentidos e todos os trâmites, desde os benefícios e direitos (alguns dos quais damos por garantidos e são bastante básicos mas importantes, como a possibilidade de visitar o conjugue no hospital em certas situações), até ao simbolismo que isso representa para quem quer casar, como já disse.

O termo "casamento" não é um substantivo próprio e na linguagem corrente ele não se refere apenas e só às celebrações que oficializam o início de uma relação conjugal validada sob a alçada da doutrina da Igreja. Longe disso. É um termo genérico, abrangente, que se usa para nos referirmos a toda e qualquer celebração de uma nova relação conjugal, dentro de qualquer sociedade, independentemente das particularidades da sua cultura, religião, leis, etnias envolvidas e contexto cronológico. Não é um termo exclusivo para uma única definição alinhada a uma posição doutrinal. E no final deste post citarei um pouco mais sobre o que a própria bíblia diz acerca do casamento, se realmente a Igreja insiste em usar a bíblia para justificar as suas definições de casamento e as suas posições sobre a matéria.

Rebatendo alguns pontos sobre o que afirmaste:

1 - O que se tem pretendido ultimamente não é uma nova forma de união. Cometeste a falácia do no true scotsman:

Pessoa A: "Um casamento a sério é a união entre pessoas de sexo oposto".
Pessoa B: "Mas propõe-se simplesmente que tudo o resto fique igual na prática, mas que se deixe apenas de ter em conta a sexualidade da pessoa, para que pessoas do mesmo sexo possam casar, só isso".
Pessoa A: "Então isso não é um casamento a sério".

E porquê é que é uma falácia? Porque não é objectivo e universalmente obrigatório que um casamento tenha de ser uma coisa estática, administrada pela Igreja, nem é universal que nunca se dê entre pessoas do mesmo sexo, especialmente no nosso contexto onde existem casamentos civis, que são de natureza secular. Para além do mais, se realmente importa o passado e as raízes (como muitas vezes é afirmado por quem é contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo), já na antiguidade grega e romana se registavam casamentos entre pessoas do mesmo sexo, no caso dos romanos foi até surgir o Código de Teodósio a proibir tais casamentos.
Para além disso, mesmo que fosse verdade que nunca antes tenha sido celebrado o casamento entre indivíduos do mesmo sexo, argumentá-lo sem fornecer justificações adicionais é de certa forma recorrer a uma falácia do apelo à tradição. As coisas são positivas ou negativas com base na sua objectividade e não com base em tradições ou posições doutrinais de uma religião. O casamento entre homossexuais não é melhor ou pior para a sociedade por ter sido tolerado ou proibido em certos contextos históricos. É desejável que o casamento entre homossexuais seja justificado ou injustificado de formas mais construtivas do que o recurso a falácias de tradição e supostos significados fixos da palavra, sem o serem.

Além do mais não é segredo que se o casamento homossexual recebesse um nome próprio, como por exemplo "Pshelherquelebel", mas que continuasse a representar o mesmo tipo de cerimónia, em tudo homóloga ao casamento, e toda a gente passasse a chamá-lo de Pshelherquelebel em vez de lhe chamarem casamento, a oposição da Igreja continuaria a ser a mesma. A Igreja está contra o reconhecimento institucional da legitimidade da união amorosa entre pessoas do mesmo sexo. Sem qualquer rodeio, é esse o problema da Igreja. O nome que se lhe dá é totalmente irrelevante e está longe de ser o principal problema, o substantivo não passa de uma etiqueta para nos referirmos a algo, que neste caso é uma relação de conjugalidade e a sua importância para o casal que deseja celebrá-lo, bem como o estatuto reconhecido pelo governo.

A posição oficial do Vaticano é: "The Church teaches that respect for homosexual persons cannot lead in any way to approval of homosexual behaviour or to legal recognition of homosexual unions".


Continuando... Não é uma nova forma de união, é uma união civil na mesma com todos os direitos e responsabilidades, retirando-se dela uma única condicionalidade que existe em algumas sociedades e que na prática resulta numa discriminação com base na sexualidade. O processo é semelhante, em termos lógicos, com a revogação das leis onde havia discriminação racial nos EUA, as chamadas leis de Jim Crow, onde (entre outras coisas) num casamento não se permitia a miscigenação.
Usando o exemplo do no true scotsman que referi acima, aplicando-a às leis de Jim Crow:

Pessoa A: "Um casamento a sério é a união entre pessoas da mesma raça".
Pessoa B: "Mas propõe-se simplesmente que tudo o resto fique igual na prática, mas que se deixe de ter em conta a raça da pessoa, para que pessoas de raça diferente possam casar entre si, só isso".
Pessoa A: "Então isso não é um casamento a sério".


Não há nada de adicional ou exclusivo a ser proposto em termos de direitos, e é completamente coerente com os princípios isonómicos que muitas constituições dizem defender. Dão-se precisamente os mesmos trâmites e incluem-se os mesmos benefícios/direitos da união civil, sem o filtro da sexualidade. Em causa não está o anulamento do casamento entre pessoas heterossexuais, está a anulação da discriminação que impossibilita pessoas homossexuais de se casarem com a pessoa que amam e com a qual querem constituir família. O casamento nessa sociedade passa a deixar de ser sensível à sexualidade das pessoas que pretendem formar uma nova relação de conjugal. Não é uma medida de exclusão, é uma medida de inclusão. Mais: Os heterossexuais se quiserem também passam a poder casar-se com pessoas do mesmo sexo, embora dificilmente isso venha a acontecer por razões lógicas, as mesmíssimas razões lógicas que fazem com que (na prática) a discriminação com base na sexualidade resulte de facto na impossibilidade dos homossexuais se casarem e serem felizes dessa forma, por muito que se alegue (com desplante) que "podem casar-se na mesma, apenas não com pessoas do mesmo sexo". Tal alegação é de uma desonestidade que faz lembrar os memes do outro indivíduo do "Ancient Aliens" no Canal História, adaptando para o contexto: "I'm not saying you can't marry... You can't marry".

2 - Numa sociedade secular, a Igreja não tem nada que ditar as leis a respeito de uma união entre duas pessoas fora das suas Igrejas. Principalmente quando se está a falar de uniões civis (chamado de Casamento Civil - o casamento por registo civil) que é um contrato assumido de forma totalmente secular e não está vinculado à Igreja. Ainda assim a Igreja tenta interferir com o processo, exercendo pressão social junto dos crentes para tentar obstruir ao máximo uma transição dessas, mesmo sendo este um assunto que não diz respeito às igrejas. Mas ainda: Ela fá-lo mesmo quando a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo nem sequer obriga as igrejas a realizar cerimónias dessas no seu interior, logo não obriga a Igreja a violar aquelas que considera serem as suas doutrinas internas (supostamente rígidas, mas nem por isso, como se pode ver em inúmeros outros assuntos, mas isso é assunto para outros tópicos). O casamento entre pessoas do mesmo sexo dá-se acima de tudo no contexto do casamento civil. Portanto nem isso seria um problema para a Igreja... Veja-se por exemplo o nosso caso: http://dre.pt/pdf1s/2010/05/10500/0185301853.pdf
Como tal, posso dizer que temos essencialmente a Igreja a tenta forçar que todas as pessoas na sociedade vivam de acordo com as suas doutrinas religiosas, inclusivamente aqueles que não as querem seguir, os que são de outras religiões ou mesmo os que nem sequer são religiosos. Usando como justificação nada mais do que a usual lógica circular da verdade bíblica. A bíblia é verdade porque diz na bíblia que a bíblia é a verdade... Excepto as partes que já se ignoram, mas isso são pormenores.
Nota: E não, não estou a dizer que os únicos que são contra a oficialização da união entre homossexuais são os cristãos ou os religiosos em geral. Existem religiosos a favor, tal como existem não-religiosos contra. Estou a falar da posição oficial do Vaticano, o único órgão religioso que ainda tem alguma réstia de poder popular para tentar interferir no ocidente, mobilizando-se junto dos seus crentes e capaz de organizar iniciativas de maior peso.


3 - A Igreja não detém autoridade máxima nem compulsiva sobre o casamento (e demais celebrações de contratos/uniões homólogas que recebem o mesmo nome, conforme preferires) no mundo. O princípio do casamento não é uma invenção exclusiva da Igreja, de uma cultura ou de uma religião. O casamento é um rito de passagem que existe e "sempre" existiu em todo o tipo de sociedades, inclusivamente naquelas anteriores à existência das próprias religiões abraãmicas, tendo sido adaptado de várias formas e em variados contextos. A Igreja não detém "patentes" sobre o casamento para ditar o que quer que seja à sociedade secular. É um ritual que não é estático, rígido, não pertence a nenhuma doutrina específica, pertence à humanidade e manifesta-se de diferentes formas - essas sim radicalmente diferentes entre si tanto nos trâmites e forma de celebração, como nos direitos e benefícios sociais obtidos, ou mesmo no número de pessoas envolvidas (como é o caso dos casamentos polígamos).


4 - É uma pergunta pertinente, mais do que uma resposta: Qual é afinal a justificação para o impedimento do casamento (ou formalidade homóloga ao casamento, como preferires) entre pessoas do mesmo sexo?

5 - Para terminar, se é a bíblia que estabelece o padrão e significado do casamento, e se é este que deve ser seguido, conforme argumenta a Igreja ao afirmar as suas doutrinas, então é importante lembrar a própria Igreja sobre o que é que a bíblia define a respeito do que constitui um casamento e quais as suas particularidades reconhecidas, muito para lá de afirmar que as relações entre pessoas do mesmo sexo "são uma abominação merecedora de execução":

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MensagemAssunto: Re: A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas   A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas Icon_minitimeQua maio 01, 2013 3:02 am

Averróis, eu comentei a citação. Foi o que transcreveste, com direito a foto do senhor, e tudo. Agarras-te muito a profetas da sabedoria. Isto é tudo demasiado simples.

Relativamente a "Cristo", Jesus, bom, a própria essência da sua seita morreria à nascença, se não fosse constantemente alterada e adaptada. Aliás, a sua suposta mensagem era originalmente, e apenas, para os judeus. Paulo, judeu cidadão romano, é que, um belo dia, decidiu renovar e universalizar a pretensa doutrina. Até aqui, estamos conversados. Há sempre uma relação com a política.

Averróis, mais uma vez, temos que nos contextualizar.

Parece-me que não estou enganado quando julgo que o Cristianismo, pelo menos na teoria, assenta em valores como a não violência, a prática do pacifismo, o "amor ao próximo", até aos inimigos. Independentemente, até, do homem ter existido ou não! De resto, o Cristianismo sofreu influências de religiões asiáticas, como o Budismo.

E, enfim, eu dei os exemplos necessários, alusivos às épocas históricas referidas, nomeadamente, últimos suspiros da Antiguidade Clássica Ocidental, e Idade Média. Parece-me que fui claro. A lista que tu apresentas, de medidas (algumas) condenáveis da Igreja, é verdadeira, mas já estamos a transportar-nos para outros contextos históricos. E mais ainda, com algumas diferenças, e substituições de uma ou outra medida, podia ser subscrita por qualquer outra Instituição Conservadora. Fosse ela do Mundo Antigo - Não consta que os homossexuais se pudessem casar, sob a égide dos Deuses Pagãos. - ou da época contemporânea, até! Ficas a saber que na Alemanha Ocidental e na muito democrática Inglaterra, insuspeita de receber influências de Roma, nos anos 60, a homossexualidade ainda era crime. Ou pelo menos, uma contra-ordenação. A pena não era elevada, mas enfim. Já para não referir os próprios Estados Unidos da América, que, nos mesmos anos 60, tinham o seu próprio apartheid, como tu certamente sabes. Quanto à escravatura, já mencionei, repito, o contexto histórico a que me referia. E quando dizes que o Cristianismo - que eu, volto a dizer, abomino - foi um entrave a todos os avanços civilizacionais, estás, como o Russell, a dizer uma inverdade, usando a tua palavra. Escamoteias tudo o que eu escrevi. Nova repetição: O Cristianismo do fim da Antiguidade e da Idade Média era contra a escravatura, e, no campo religioso, põs fim aos sacrifícios humanos. O que, do ponto de vista de um humanista, me parece um avanço! No auge do Império Romano, quando as coisas corriam mal, ainda se sacrificavam pessoas! Nomeadamente os tais escravos! Dizes-me: era um prática que estava a cair em desuso. Verdade. Mas acontecia. Podes dizer-me, igualmente com razão, que, através de outros procedimentos, como mais tarde, a Inquisição, o Cristianismo regressou à prática de sacrifícios humanos. Outra vez: verdade. Outro contexto histórico. As pessoas, caro Averróis, são pessoas. E sê-lo-ão sempre.

E, mais uma vez, estamos a falar de instituições. De resto, importa salientar que a Igreja Católica - a facção vencedora, de entre tantas, do Cristianismo Ocidental - herda a sua estrutura do antigo Império Romano! A própria figura do Sumo Pontífice, era o chefe da Religião Pagã Romana. Até o nome era o mesmo. As dioceses foram criadas por Diocleciano, Imperador Romano, pagão, e fanático anti-cristão. E, enfim, a Igreja Católica sorveu quase todas as festividades e tradições pagãs existentes! Desde o Natal, à transformação dos Deuses e Heróis em "Santos", etc. A idolatria, e o politeísmo, está todo lá! A questão cultural é constantemente escamoteada. As pessoas não se tornam "cristãs", ou outro rótulo qualquer que queiram usar, porque carregam num botão. Há um background. Cultural e político. A Igreja Católica foi uma instituição Romana, do Sul da Europa.

Depois mencionas um conjunto de exemplos históricos que são totalmente verdadeiros. Um povo, neste caso o Europeu, quando se expande, utilizará sempre todas as armas e pretextos, sejam culturais, espirituais, ou outros quaisquer, para justificar o seu imperialismo. O Cristianismo Institucional, nesta altura, é apenas mais um braço político e ideológico da Civilização Ocidental. Poderia ter outro nome qualquer. Parece-me já ter pouco a ver com a seita judaica do deserto. O Imperialismo faz-se sempre sob uma bandeira de pretensas elevações existenciais, seja o Cristianismo, o Islamismo, o Judaísmo, o Comunismo, ou a Democracia. Mais uma vez, remeto-te para o estudo do background histórico dos diversos povos.

Dou-te o exemplo da Península Ibérica que viu muçulmanos e cristãos a lutarem pelo mesmo espaço. Os sarracenos ofereciam liberdade às populações sob o seu domínio. Inclusivamente aos cristãos, desde que pagassem um tributo. Era uma civilização muito mais cosmopolita, aberta, comercial. Chegava-se ao extremo de os cristãos preferirem viver sob o domínio do "infiel" sarraceno, do que sob o "libertador" cristão. Porquê? Porque o libertador cristão condenava o seu irmão à servidão! Os guerreiros, nobres, tomavam as terras para si! Isto não tem nada a ver com religiões, mas sim com a cultura e organização social dos povos. Cristãos, neste caso, é sinónimo de Europeus. Que por sua vez já traziam consigo uma fusão de cultura guerreira germânica, com alguma romanidade. E é daí que advêm as práticas senhoriais, e feudais. Ao contrário dos sarracenos.


Outro exemplo: Relembro que a Religião Pagã Romana era elitista. Aliás, os altos sacerdotes, que interpretavam os Deuses, eram, necessariamente, patrícios, ou seja, aristocratas. E claro, a vontade dos Deuses coincidia sempre com os interesses do patriciado, como não podia deixar de ser. Os Deuses Pagãos não eram os mesmos para todos. E os líderes dos panteões estavam sempre associados às classes aristocratas. Neste caso, nomeadamente, a senatorial. Claro que os camponeses veneravam, preferencialmente, outros Deuses.

Quando falas, em tom jocoso, dos "pagãos de quem eu tanto gosto", referes-te a quem, em particular? Não sei se tens conhecimento da minha vida pessoal. Posso no entanto dizer-te, que alguns dos pagãos que conheço, nem sequer o sabem que o são. Particularmente os mais idosos. Mantêm crenças e hábitos ancestrais, indo-europeus, relacionados com a História das suas terras, que ultrapassa muitas barreiras temporais. Os rótulos que as pessoas colocam em si próprias, ou nos outros, dizem-me muito pouco. Sou, de resto, contra qualquer tipo de injustiça, e opressão. O que não inclui o debate superficial do casamento homossexual, uma questão pequeno-burguesa, que certamente não é debatida nos centros de trabalho dos sindicatos operários, por exemplo, que têm mais em que pensar. Tens uma fixação com o casamento homossexual, que, de resto, já foi aprovado no nosso Portugal, alegadamente, antro de um Catolicismo ultra-conservador, profundamente enraizado nas populações e manipulador das mesmas. Como vês, não se passou nada. Ninguém se ralou. E na França cosmopolita da Revolução, houve desacatos e alaridos bem maiores. Porque a extrema-direita, que, de resto, se está a marimbar para o Cristianismo, - aliás, é-lhe hostil, - é mais forte.

A tua análise histórica está profundamente errada. De resto, posso dar-te como exemplo o regime Nacional-Socialista, que tinha um sector ideológico fortemente pagão, que se manifestava em numerosos rituais, propostas políticas, influências marcadas da religião germano-escandinava antiga, a vários níveis, etc. A própria suástica é um símbolo inequívoco. Bem como o uso de runas, nomeadamente no emblema das SS, etc. Já abri algures um tópico acerca dos rituais pagãos nacional-socialistas na "muito católica Munique". Estamos a falar de um regime, que te desagrada, - outra discussão - e que, efectivamente, tinha uma ideia bastante mais "restritiva", chamemos-lhe assim, das liberdades civis, que tu referes. Em boa verdade, quem não estivesse do lado do regime, ou não se enquadrasse na sua concepção, tinha sérios problemas. Desde homossexuais, a judeus. E também cristãos. Aliás, o Vaticano teria os dias contados, se o III Reich tivesse vencido a Guerra.

A própria União Soviética, não me parece que seja um exemplo que te agrade. E desta vez damos uma volta de 180 graus - ou talvez não - e estamos sob a égide do regime da classe operária e camponesa. Insuspeito de ter relações amigáveis com a Igreja Católica!

Todas as instituições que se arrogam no sentido de defenderem determinado pacote ideológico ou doutrinário, tornam-se fechadas, dogmáticas, paranóicas e intolerantes.

Exemplo dos nossos dias: A "Comunista" Coreia do Norte. Onde os Kim são, literalmente, Deuses.

A tua visão das coisas parece-me limitada e míope. A Igreja Católica, durante muito tempo, foi (e ainda é, apesar de tudo)apenas mais um tentáculo de um polvo gigantesco, que constitui o regime ocidental. Estas pequenas questiúnculas, hoje, são areia para os olhos da população. Gostava de ouvir falar mais na Goldman Sachs, por exemplo. Entre outras questões. Abrirei outro tópico nesse sentido. Os senhores do regime, divertiram e divertem a população com estes temas, mais mediáticos, e entretanto, os países perderam a soberania, a economia, e ficaram entregues a vampiros especuladores, e sorvedores dos recursos dos povos. Enfim. Para mais, patetices como o casamento homossexual, tem sido o álibi perfeito para os partidos "socialistas", que estão perfeitamente alinhados com as políticas de centro-direita, no sentido de se afirmarem como sendo progressistas, e de esquerda. Entregam tudo aos privados obscuros, relacionam-se com os mafiosos, e destroem a social-democracia. E soberania. Mas calma, aprovaram o casamento gay, portanto, está tudo bem, ainda são de "esquerda"! De resto, o próprio Passos Coelho já se manifestou como sendo a favor dessas leis. A luta é outra. O Vaticano não tem força praticamente nenhuma, nesta altura do campeonato.

A comparação que fizeste entre o exemplo histórico que eu dei, relativamente à proibição das lutas entre nobres, e o imperialismo americano, não tem razão de ser, Averróis.

E a propósito, quando dizes o seguinte:

"Se achas que ainda hoje em dia o povo é ignorante e não tem poder, então devias ver na altura."

Esta comparação é totalmente injusta, uma vez que é desprovida das devidas proporções! Nós vivemos na Era da informação, e da "Democracia"! Jornais, televisão e internet, durante 24 horas por dia, comunicação feita através de uma língua globalizada, que nos permite, no espaço de minutos, entabular conversa com qualquer pessoa do mundo, partidos políticos, alfabetização, escolaridade obrigatória, etc, etc. E mesmo assim, o povo é incrívelmente, e voluntariamente, ignorante! E intelectualmente ocioso! Politicamente, não tem poder rigorosamente nenhum, precisamente devido às razões anteriores, entre outras! E por isso, estamos à beira de nos tornarmos um protectorado. Tendo em conta, portanto, as devidas proporções, não me parece que o "povo" de agora tenha mais poder, ou que seja menos ignorante.

O clero e a burguesia queriam manter o povo sob um manto de ignorância. É certo. Hoje, as classes políticas "democráticas" juntam-se àqueles dois. Os Nobres, na Idade Média, eram ignorantes e analfabetos. O que não impedia que fossem uma classe dominante. Aliás, mais uma vez estás a ignorar o que eu referi no comentário anterior. A burguesia praticamente não existe até ao século XI. Portanto, das três classes tipicas da primeira Idade Média, nobreza, clero e povo, praticamente apenas a Igreja, como eu referi, alberga no seu seio os homens letrados do seu tempo. A importância dos mosteiros, dos monges, por exemplo, é incontornável. Goste-se, ou não, a Igreja teve uma importância decisiva no sentido de não deixar cair a cultura, e o uso da escrita. Aquando as invasões bárbaras, a Igreja torna-se a guardiã da herança Romana. Que, de resto, vai transmitir aos germânicos. Onde é que havia burguesia, na altura, Averróis? Foram séculos conturbados, e obscuros.

Bom, relativamente às fontes que pediste. Aqui estão os livros:

História da Civilização Ocidental, de Edward McNall Burns.

História Universal, Alta Idade Média, de José Angél de Cortázar y Ruiz de Aguirre, catedrático de História Medieval.

História Económica do Ocidente Medieval, de Guy Fourquin.

História de Roma, de Indro Montanelli.

Aconselho também, e suportando o que disse anteriormente, no tocante às culturas ancestrais de cada povo, e na irrelevância dos rótulos, o livro do nosso Alexandre Herculano, Eurico, o Presbítero. Herculano foi o homem que revolucionou a historiografia portuguesa, no século XIX. Eurico, o Presbítero, é um romance histórico, cuja acção decorre na Hispânia Visigótica. E, na verdade, através desse livro, (e outros, com certeza), temos a perfeita noção de que, sob a capa oficial da Igreja, - os Visigodos antes de se converterem ao Catolicismo eram Cristãos Arianos - os povos mantiveram as suas tradições, culturas, e essências. Eurico é um visigodo que se torna presbítero. Vou deixar aqui uma passagem do livro, que refere a presença da religião/cultura pagã germânica nas Igrejas hispânicas godas:

"O presbitério, situado no meio da povoação, era um edifício humilde, como todos os que ainda subsistem alevantados pelos Godos sobre o solo da Espanha. Cantos enormes sem cimento alteiam-lhe os muros; cobre-lhe o âmbito um tecto achatado, tecidod e grossas traves de carvalho subpostas ao ténue colmo: o seu portal profundo e estreito pressagia de certo modo a misteriosa portada da catedral da Idade Média: as suas janelas, por onde a claridade, passando para o interior, se transforma em tristonho crepúsculo, são como um tipo indeciso e rude das frestas que, depois, aluminaram os templos edificados no décimo quarto século, através das quais, coada por vidros de mil cores, a luz ia bater melancólica nos alvos panos dos muros gigantes e estampar neles as sombras das colunas e arcos enredados das naves. Mas, se o presbitério visigótico, no escasso da claridade, se aproxima do tipo cristão de arquitectura, no resto revela que ainda as ideias grosseiras do culto de Ódin não se tem apagado de todo nos filhos e netos dos bárbaros, convertidos há três ou quatro séculos à crença do Crucificado."

E, mesmo para acabar, importa dizer isto: Os Visigodos, antes de se converterem ao Catolicismo, não se misturavam com os Hispano-Romanos. Ou, pelo menos, estavam proibidos de o fazer. Não havia casamentos mistos. Os Godos apenas se podiam casar entre si. E resistiram, durante muito tempo, a essa abertura. E reparem, estamos a falar de etnias europeias! São traços culturais, e até humanos, que fazem parte dos povos. Os Patrícios Romanos também não se podiam casar com Plebeus. Pelo menos até determinada altura. Portanto, quando falamos de proibição de casamentos inter-raciais, por parte da Igreja Católica, temos, mais uma vez, de conhecer a História. Neste caso, no Ibérico, da segregação visigótica, o papel da Igreja Católica até foi no sentido contrário. São, repito, traços da génese humana. E tudo se enquadra nessa lógica.
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MensagemAssunto: Re: A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas   A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas Icon_minitimeQui maio 02, 2013 6:13 am

Aelle, obrigado pelo tempo despendido na resposta. Vou abordar agora alguns (ou, vá, praticamente todos, como é já habitual) dos argumentos que colocaste, discordando ou concordando conforme o argumento em questão.

Aelle escreveu:
Averróis, eu comentei a citação. Foi o que transcreveste, com direito a foto do senhor, e tudo. Agarras-te muito a profetas da sabedoria. Isto é tudo demasiado simples.

Nada contra o teu direito de abordar e comentar a citação que aqui coloquei. Se não houvesse o direito de abordar (concordando ou discordando) os assuntos abordados neste fórum, mesmo que uma simples citação, então não faria sentido sequer aplicar-se o conceito de fórum a este espaço.
Quanto ao agarrar-me demasiado a "profetas da sabedoria", não me parece que faça jus ao que aqui está em questão, mas é a tua opinião. Discordo dela tanto na escolha dos termos, como na insinuação a respeito da minha adesão.

Aelle escreveu:
Relativamente a "Cristo", Jesus, bom, a própria essência da sua seita morreria à nascença, se não fosse constantemente alterada e adaptada. Aliás, a sua suposta mensagem era originalmente, e apenas, para os judeus. Paulo, judeu cidadão romano, é que, um belo dia, decidiu renovar e universalizar a pretensa doutrina. Até aqui, estamos conversados. Há sempre uma relação com a política.

Exacto, Paulo e a sua suposta revelação divina a caminho de Damasco, uma aparição que alegadamente o terá convertido de perseguidor de Cristãos a Cristão...
Ainda em relação a Jesus, tentando não me alargar muito já que isto começa a tornar-se demasiado offtopic: a única fonte extra-bíblica que tenho visto os cristãos a oferecer é a de Flávio Josefo, o "Testimonium Flavianum". Mas aparentemente terá sido uma adição fraudulenta à obra de Josefo, pelo menos a sua veracidade é contestada por várias razões.
Mas enfim, para além de qualquer polémica sobre a surpreendente escassez de fontes extra-bíblicas para corroborar/documentar uma suposta existência de Jesus (para que se demonstre que não é apenas um personagem ficcional), a verdade é que, mesmo que Jesus tivesse existido de facto, o que também não faz sentido (em termos de congruência) é um subsequente desenvolvimento de uma nova religião diferente da religião onde se inseria o personagem (seja ele histórico ou ficcional) em questão. O Cristianismo nasce claramente como uma espécie de offshoot do Judaísmo. E ainda hoje os cristãos vêem-se (não necessariamente todos, mas normalmente) como um upgrade relativamente ao judaísmo (o Novo Testamento veio "completar" a mensagem de Deus conforme havia sido alegadamente transmitida aos Judeus, diz-se).
Depois de Paulo temos outra etapa de contornos políticos de importância para a adopção do Cristianismo no Império Romano: Constantino I. Marca a primeira fase de abandono do paganismo romano para dar verdadeiramente lugar ao Cristianismo, em pleno seio Imperial.

E concordo que há muita política à mistura, para lá da pura religiosidade. A cultura, a política e a religião estavam nessa altura de mãos dadas, ao ponto de se fundirem em vários aspectos. Ainda hoje os conflitos entre Judeus e Palestinianos tem o seu quê de política, embora o ódio seja muitas vezes catalisado pela religiosidade. Não é apenas um problema religioso, embora tenha vários contornos religiosos (logo a começar pela noção e importância dada à "Cidade Santa", que todos querem controlar).

Aelle escreveu:
Averróis, mais uma vez, temos que nos contextualizar.

Parece-me que não estou enganado quando julgo que o Cristianismo, pelo menos na teoria, assenta em valores como a não violência, a prática do pacifismo, o "amor ao próximo", até aos inimigos. Independentemente, até, do homem ter existido ou não! De resto, o Cristianismo sofreu influências de religiões asiáticas, como o Budismo.

Eu diria que estás enganado, a menos que estejas a falar exclusivamente da noção modernizada do cristianismo, uma versão altamente secularizada que se tem vindo a desenvolver no ocidente, (adaptado às sociedades modernas, onde coisas como a escravatura (a sério) e a subjugação extrema da mulher já não são minimamente toleradas. Falo da tal visão de cristianismo que ignora várias das próprias escrituras e que prefere adoptar visões seculares de moralidade e justiça. Esta nova forma de cristianismo "diluído" é adoptada pelos religiosos menos religiosos do planeta (os menos praticantes, menos efusivos). E sim, actualmente há vários cristãos a aderir a crenças "New Age" (acho que é o termo mais adequado), entre as quais algumas "mistelas" ocidentalizadas com vestígios de Budismo, sim. Ao ponto de termos cristãos que já não acreditam num Deus enquanto entidade inteligente e participante, uma figura paterna como descrito na Bíblia, mas sim como uma "energia cósmica" altamente abstracta, que não sabem muito bem definir mas que já é tudo menos antropomórfica. Depois há os cristãos que parecem não acreditar em grande parte das doutrinas, simplesmente gostam da ideia de Jesus enquanto pessoa inspiradora, adquirida por uma indoutrinação ligeira.
O cristianismo puro, dogmático, que respira as escrituras de forma "hardcore", aquele que não questiona a "palavra de Deus" em todos os pontos "complicados", esse é um cristianismo que é tudo menos pacifista, para ser congruente com as escrituras.
A bíblia fomenta coisas completamente hediondas, como tu saberás certamente. O cristianismo fundamentalista é, tal como o Judaismo e o Islamismo fundamentalistas, alimentado por escrituras que incitam o ódio e a violência. O tipo de escritura que legitima, por exemplo, a obrigação de apedrejar até à morte alguém por razões absolutamente ridículas, uma mentalidade altamente tribal, selvática para os actuais padrões ocidentais.
No ocidente, felizmente, já não há grande espaço para esse tipo de culto mais fervoroso. Ele agora está confinado a sociedades praticamente teocráticas. Mas é importante lembrar que há não foi assim há tão pouco tempo (em termos cronológicos) que ainda se executavam pessoas no ocidente por motivos religiosos, inclusivamente massacres. Um exemplo disso é o Massacre de Lisboa, para pegar num exemplo típico.

Um cristianismo que ignora muitas das próprias escrituras, um cristianismo altamente diluído, está longe de ser o cristianismo que era. E ainda bem que assim é, para nossa felicidade, sanidade e bem-estar. Os cristãos no ocidente cresceram de uma forma cada vez mais secularizada. Se te referes apenas e só a essas formas de cristianismo, então sim, é maioritariamente pacífico. Mas rejeito a ideia de que o cristianismo seja pacífico no seu núcleo fundamental, não secularizado. Basta ler a bíblia, que é tudo menos um manual de pacifismo.


Aelle escreveu:
E, enfim, eu dei os exemplos necessários, alusivos às épocas históricas referidas, nomeadamente, últimos suspiros da Antiguidade Clássica Ocidental, e Idade Média. Parece-me que fui claro. A lista que tu apresentas, de medidas (algumas) condenáveis da Igreja, é verdadeira, mas já estamos a transportar-nos para outros contextos históricos. E mais ainda, com algumas diferenças, e substituições de uma ou outra medida, podia ser subscrita por qualquer outra Instituição Conservadora. Fosse ela do Mundo Antigo - Não consta que os homossexuais se pudessem casar, sob a égide dos Deuses Pagãos. - ou da época contemporânea, até! Ficas a saber que na Alemanha Ocidental e na muito democrática Inglaterra, insuspeita de receber influências de Roma, nos anos 60, a homossexualidade ainda era crime. Ou pelo menos, uma contra-ordenação. A pena não era elevada, mas enfim. Já para não referir os próprios Estados Unidos da América, que, nos mesmos anos 60, tinham o seu próprio apartheid, como tu certamente sabes.

Rejeito a ideia que tentaste transmitir sobre o cristianismo enquanto força abolicionista da escravatura. No geral, o cristianismo foi uma das principais forças no ocidente (sem dúvida das mais poderosas) a legitimar a escravatura em vários períodos. E como te indiquei da própria bíblia, a escravatura é referida com naturalidade, como se fosse algo perfeitamente aceitável e desejável, até por Deus. A indoutrinação católica, a conversão forçada de indígenas, depois usados em trabalhos forçados, não são de todo desencorajadas pela Igreja. E até durante as Cruzadas, os prisioneiros de Guerra eram usados em trabalhos forçados.

A Igreja chegou ao ponto de colocar a escravatura como pena legítima por crimes cometidos, a escravatura estava oficialmente na Lei Canónica. Queres melhor exemplo que a própria Lei Canónica a permitir a escravatura?

Houve períodos onde a Igreja defendia a libertação dos escravos (especialmente os cristãos, por defesa do in-group, tal como faziam os Judeus e os Islâmicos que não gostavam de ver membros da sua religião escravizados - que não fossem os meros recém-convertidos, prisioneiros de guerra e indígenas), mas no geral o Cristianismo, o Judaísmo e o Islamismo não se opuseram sistematicamente à escravatura, nem de perto nem de longe. Era culpa inteira da religião? Não. Também haviam interesses imperialistas na escravatura. Afinal era mais fácil e barato explorar trabalho de escravo. Mas desengane-se quem achar que a Igreja fez tudo ao seu alcance para impedir a escravatura. Não fez.

Em relação aos homossexuais debaixo dos Deuses pagãos... Que achas que eram os Deuses da Grécia e Roma antigas? Para todos os efeitos, os Deuses dos romanos e dos gregos eram pagãos (na definição alargada em que qualquer Deus estranho ao Cristianismo é considerado de natureza pagã, já que o paganismo não se dirige apenas e só ao paganismo nórdico, celta, etc).
Não apenas isso, mas os próprios Deuses gregos eram descritos como pederastas. Lê um bocadinho sobre Ganímedes e a sua relação com Zeus, para teres uma ideia mais do que elucidativa.


Aelle escreveu:
Quanto à escravatura, já mencionei, repito, o contexto histórico a que me referia. E quando dizes que o Cristianismo - que eu, volto a dizer, abomino - foi um entrave a todos os avanços civilizacionais, estás, como o Russell, a dizer uma inverdade, usando a tua palavra. Escamoteias tudo o que eu escrevi. Nova repetição: O Cristianismo do fim da Antiguidade e da Idade Média era contra a escravatura, e, no campo religioso, põs fim aos sacrifícios humanos.

Em termos gerais, já disse: o Cristianismo não foi contra a escravatura e a própria lei canónica aplicava penas de escravatura muito para lá da Idade Média. Irónico, que até os papas possuíam escravos.
Já agora dá uma olhada:
http://en.wikipedia.org/wiki/Dum_Diversas
http://en.wikipedia.org/wiki/Romanus_Pontifex

Esses dois documentos são uma boa achega para te aperceberes das posições da Igreja Católica a respeito da escravatura de indígenas e inimigos islâmicos. Eu diria mesmo que chegam a ser também eles responsáveis pelo início do mercado de escravos que os Portugueses montaram subsequentemente, partilhando as culpas. A Igreja deu-nos luz verde, com toda a clareza.
Abolicionismo a sério não existiu até muito mais tarde, já no Iluminismo.

Aelle escreveu:
O que, do ponto de vista de um humanista, me parece um avanço! No auge do Império Romano, quando as coisas corriam mal, ainda se sacrificavam pessoas! Nomeadamente os tais escravos! Dizes-me: era um prática que estava a cair em desuso. Verdade. Mas acontecia. Podes dizer-me, igualmente com razão, que, através de outros procedimentos, como mais tarde, a Inquisição, o Cristianismo regressou à prática de sacrifícios humanos. Outra vez: verdade. Outro contexto histórico. As pessoas, caro Averróis, são pessoas. E sê-lo-ão sempre.

Repara que as acusações não se ficam pela escravatura. As acusações são diversas e focam diferentes coisas abismais que a Igreja apoiou (ou ainda apoia, em alguns dos assuntos).
O passado da Igreja é absolutamente sangrento, imoral em vários aspectos. Isto vindo de indivíduos que se auto-proclamam representantes de Deus, praticantes do bem, os mais próximos de cumprir a palavra divina. É uma desgraça.
A grande crítica é feita exactamente para contradizer aqueles que defendem acerrimamente a Igreja, de forma acrítica, e que tentam transmitir uma imagem imaculada, sem o ser. Ainda no presente a Igreja continua a opor-se a coisas totalmente absurdas. Não me admiro que daqui a uns séculos os cristãos do futuro - se ainda existirem nessa altura - venham a falar do ano em que a Igreja começou a ter um papel importante na aceitação dos direitos dos homossexuais e da sua emancipação na sociedade, como se a Igreja não tivesse procurado opor-se a tais direitos.... Mas enfim. Nada de novo. Os anos passam, as nódoas são escondidas, e vive-se como se a Igreja fosse imaculada, apesar de na realidade estar frequentemente atrasada em relação à evolução das mentalidades na sociedade (está à vista). Todas aquelas coisas que referi em forma de lista são verdadeiras, como tu reconheceste. Aquilo é currículo de uma instituição imaculada e guiada pelo "amor" do Senhor? Parece que a que deveria de ter a reputação mais exemplar é a que pior reputação tem!




Aelle escreveu:
E, mais uma vez, estamos a falar de instituições. De resto, importa salientar que a Igreja Católica - a facção vencedora, de entre tantas, do Cristianismo Ocidental - herda a sua estrutura do antigo Império Romano! A própria figura do Sumo Pontífice, era o chefe da Religião Pagã Romana. Até o nome era o mesmo. As dioceses foram criadas por Diocleciano, Imperador Romano, pagão, e fanático anti-cristão. E, enfim, a Igreja Católica sorveu quase todas as festividades e tradições pagãs existentes! Desde o Natal, à transformação dos Deuses e Heróis em "Santos", etc. A idolatria, e o politeísmo, está todo lá! A questão cultural é constantemente escamoteada. As pessoas não se tornam "cristãs", ou outro rótulo qualquer que queiram usar, porque carregam num botão. Há um background. Cultural e político. A Igreja Católica foi uma instituição Romana, do Sul da Europa.

Concordo. O cristianismo tem montes de resquícios pagãos como as festividades, os santos e tudo mais. Os santos chegam ao ponto de serem tão idolatrados quanto Jesus (ou mais ainda), por certos crentes. Mas mesmo antes do Cristianismo: o Judaísmo é também ele uma colecção de mitos do médio oriente, consolidados depois numa religião que sobreviveu até hoje.


Aelle escreveu:
Depois mencionas um conjunto de exemplos históricos que são totalmente verdadeiros. Um povo, neste caso o Europeu, quando se expande, utilizará sempre todas as armas e pretextos, sejam culturais, espirituais, ou outros quaisquer, para justificar o seu imperialismo. O Cristianismo Institucional, nesta altura, é apenas mais um braço político e ideológico da Civilização Ocidental. Poderia ter outro nome qualquer. Parece-me já ter pouco a ver com a seita judaica do deserto. O Imperialismo faz-se sempre sob uma bandeira de pretensas elevações existenciais, seja o Cristianismo, o Islamismo, o Judaísmo, o Comunismo, ou a Democracia. Mais uma vez, remeto-te para o estudo do background histórico dos diversos povos.

Dou-te o exemplo da Península Ibérica que viu muçulmanos e cristãos a lutarem pelo mesmo espaço. Os sarracenos ofereciam liberdade às populações sob o seu domínio. Inclusivamente aos cristãos, desde que pagassem um tributo. Era uma civilização muito mais cosmopolita, aberta, comercial. Chegava-se ao extremo de os cristãos preferirem viver sob o domínio do "infiel" sarraceno, do que sob o "libertador" cristão. Porquê? Porque o libertador cristão condenava o seu irmão à servidão! Os guerreiros, nobres, tomavam as terras para si! Isto não tem nada a ver com religiões, mas sim com a cultura e organização social dos povos. Cristãos, neste caso, é sinónimo de Europeus. Que por sua vez já traziam consigo uma fusão de cultura guerreira germânica, com alguma romanidade. E é daí que advêm as práticas senhoriais, e feudais. Ao contrário dos sarracenos.

Sim, os mouros aplicavam a tributação jizya. Já fiz referências a esse período várias vezes aqui no fórum. A jizya também tinha os seus problemas e discriminações: os dhimmi (cidadãos não-islâmicos consentidos de manter a sua língua, religião e tradições culturais) eram apesar de tudo tratados como cidadãos inferiores em comparação com os que se convertiam ao islamismo. Ainda assim era menos mau que o destino dos derrotados pelos reinados europeus da altura, que implementavam conversões forçadas e apagavam depois muitos dos aspectos culturais e crenças alheias ao cristianismo. Exemplo disso é a colonização das Américas e a de África. Era um autêntico etnocídio sem qualquer alternativa para os visados.

Curiosidade: O célebre guerreiro castelhano El Cid, que tomou Valência, tinha apoiantes e guerreiros mouros e cristãos do seu lado.

Aelle escreveu:
Outro exemplo: Relembro que a Religião Pagã Romana era elitista. Aliás, os altos sacerdotes, que interpretavam os Deuses, eram, necessariamente, patrícios, ou seja, aristocratas. E claro, a vontade dos Deuses coincidia sempre com os interesses do patriciado, como não podia deixar de ser. Os Deuses Pagãos não eram os mesmos para todos. E os líderes dos panteões estavam sempre associados às classes aristocratas. Neste caso, nomeadamente, a senatorial. Claro que os camponeses veneravam, preferencialmente, outros Deuses.

Quando falas, em tom jocoso, dos "pagãos de quem eu tanto gosto", referes-te a quem, em particular? Não sei se tens conhecimento da minha vida pessoal. Posso no entanto dizer-te, que alguns dos pagãos que conheço, nem sequer o sabem que o são. Particularmente os mais idosos. Mantêm crenças e hábitos ancestrais, indo-europeus, relacionados com a História das suas terras, que ultrapassa muitas barreiras temporais. Os rótulos que as pessoas colocam em si próprias, ou nos outros, dizem-me muito pouco. Sou, de resto, contra qualquer tipo de injustiça, e opressão. O que não inclui o debate superficial do casamento homossexual, uma questão pequeno-burguesa, que certamente não é debatida nos centros de trabalho dos sindicatos operários, por exemplo, que têm mais em que pensar. Tens uma fixação com o casamento homossexual, que, de resto, já foi aprovado no nosso Portugal, alegadamente, antro de um Catolicismo ultra-conservador, profundamente enraizado nas populações e manipulador das mesmas. Como vês, não se passou nada. Ninguém se ralou. E na França cosmopolita da Revolução, houve desacatos e alaridos bem maiores. Porque a extrema-direita, que, de resto, se está a marimbar para o Cristianismo, - aliás, é-lhe hostil, - é mais forte.

Digo-o porque já fizeste várias vezes referências à tua afinidade com o paganismo nórdico pelo fórum fora.

Em relação ao casamento entre pessoas homossexuais (femininos ou masculinos), que raio é isso que disseste? Os sindicatos pouco ou nada têm a ver com o assunto, obviamente, pois são assuntos completamente diferentes. Os sindicatos dedicam-se ao aspecto laboral. Qual é o aspecto laboral do casamento? Então para quê ter os sindicatos a pronunciar-se sobre o assunto? Ainda se fosse relativo à discriminação no trabalho, aí tudo bem. Mas nesse aspecto não aparenta haver grandes problemas. Logo é óbvio que os sindicatos não têm nada que intervir a respeito deste assunto, pelo menos não em nome das associações de sindicatos, se o fizerem é a título individual.

E o debate sobre o casamento homossexual não é superficial nem um tema "pequeno-burguês". Tal como a emancipação feminina não o foi, nem a emancipação dos negros.
A minha "fixação" com a discriminação da sexualidade das pessoas deve-se ao facto de ser uma das coisas que - embora no nosso caso já não (se bem que eu preferia que tivesse ido a referendo, pois mais uma vez o povo não é consultado...) - este assunto é algo ainda está pendente em termos de direitos civis em diversos países do ocidente, o que é lamentável. É uma das poucas coisas que restam em termos de direitos básicos que ainda são negados sem qualquer justificação, e quando a justificação chega, chega frequentemente com referências a doutrinas religiosas, que são absurdas e não se devem aplicar a sociedades seculares.
E já agora: a mentalidade do "temos problemas mais graves do que o problema X" é absurda. Uma coisa não invalida a outra. Se quisermos procurar, há sempre qualquer coisa "mais importante", nem que seja acabar com a fome e pobreza no mundo, e com isso o tempo vai passando e pessoas continuam a ter os seus direitos obstruídos, numa coisa que é básica e rápida de implementar. Qualquer mudança pendente, independentemente do grau de importância que lhe dás, é importante.

Tu dizes que é parvoíce estarem a trazer a debate o assunto do casamento gay. Eu digo que é parvoíce só estarem a lembrar-se deste assunto agora, quando ele já devia estar resolvido há muito tempo.

E a meu ver Portugal está longe de ser um antro de um catolicismo ultra-conservador. Falando por mim, os não-religiosos são a "dar com um pau" e a maioria dos indivíduos que se consideram cristãos que eu conheço não são praticantes, nem lá perto.

Em relação à França, encontras lá os extremos de ambos os lados. Mas por acaso, para além do que aconteceu no Parlamento da França, o mais estúpido foram os padres católicos a esquecer-se do significado de um estado secular.


Aelle escreveu:
A tua análise histórica está profundamente errada. De resto, posso dar-te como exemplo o regime Nacional-Socialista, que tinha um sector ideológico fortemente pagão, que se manifestava em numerosos rituais, propostas políticas, influências marcadas da religião germano-escandinava antiga, a vários níveis, etc. A própria suástica é um símbolo inequívoco. Bem como o uso de runas, nomeadamente no emblema das SS, etc. Já abri algures um tópico acerca dos rituais pagãos nacional-socialistas na "muito católica Munique". Estamos a falar de um regime, que te desagrada, - outra discussão - e que, efectivamente, tinha uma ideia bastante mais "restritiva", chamemos-lhe assim, das liberdades civis, que tu referes. Em boa verdade, quem não estivesse do lado do regime, ou não se enquadrasse na sua concepção, tinha sérios problemas. Desde homossexuais, a judeus. E também cristãos. Aliás, o Vaticano teria os dias contados, se o III Reich tivesse vencido a Guerra.

O regime nazi podia ter várias facções e influências pagãs, especialmente alguns membros como Himmler. Mas não só. Também ele tinha um núcleo cristão.
Basta ler um bocado sobre a Deutsche Christen, a Reichkonkordat (que anulou o secularismo alemão e instituiu o Catolicismo como religião oficial do estado, obrigatória nas escolas), a Reichskirche, o chamado Cristianismo Positivo, etc. O que achas que eram? Poderás argumentar que o nazismo simplesmente usou a Igreja para seu proveito, dado que haviam muitos cristãos, embora muitos deles fossem protestantes. É um argumento válido, plausível. No entanto não deixa de ser preocupante a forma como cristãos compactuaram com tal regime. E mesmo após todos os horrores da Segunda Guerra Mundial, ainda haviam promiscuidades com regimes fascistas ou de inspiração fascista, para além de nunca terem excomungado Hitler.

Além disso, o próprio regime Nazi beneficiou e muito da tradição de antisemitismo no cristianismo. O antisemitismo na Europa chegou muitas vezes a níveis totalmente absurdos, ao ponto de em Lisboa, durante o Século XVI, no Massacre de Lisboa, se terem massacrado Judeus (e não-judeus, acusados de serem judeus), sob a acusação de serem responsáveis pela seca e pela peste negra.

Leituras acerca dos núcleos cristãos da Alemanha Nazi:


Reichskonkordat: http://pt.wikipedia.org/wiki/Reichskonkordat
Cristianismo Positivo: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cristianismo_positivo
Deutsche Christen: http://en.wikipedia.org/wiki/German_Christians
Friedrich Coch: http://de.wikipedia.org/wiki/Friedrich_Coch
Reichskirche: http://pt.wikipedia.org/wiki/Igreja_do_Reich
Alban Schachleiter: http://en.wikipedia.org/wiki/Alban_Schachleiter
Evangelische Kirche in Deutschland: http://en.wikipedia.org/wiki/Evangelical_Church_in_Germany
National Synod inauguration in Wittenburg: http://www.corbisimages.com/stock-photo/rights-managed/HU007883/inauguration-of-the-national-synod-in-wittenburg
Alois Hudal: http://en.wikipedia.org/wiki/Alois_Hudal
"Ratlines" criadas por esse bispo: http://en.wikipedia.org/wiki/Ratlines_(history)

Mais: Os militares da SS tinham nos seus cintos: "Gott mit uns", um lema de guerra de tradição cristã que significa "Deus do nosso lado".
Em Mein Kampf Hitler afirma que está a cumprir a vontade de Deus em eliminar os Judeus.


E mesmo depois da Segunda Guerra Mundial, há o caso da protecção da Igreja dada a Nazis fugidos às autoridades.
Um desses exemplos foi Paul Touvier: http://en.wikipedia.org/wiki/Paul_Touvier


Já agora:
http://www.spartacus.schoolnet.co.uk/GERchristianity.htm

E ainda, a Igreja tem um historial de pactos oportunistas com regimes ditatoriais de direita, especialmente regimes fascistas ou para-fascistas. Os nazis não foram caso único. Para além de Portugal de Salazar, Espanha de Franco, Alemanha de Hitler, Itália de Mussolini, temos ainda a ditadura de Jorge Videla na Argentina:

"O ex-ditador Jorge Videla disse que o ex núncio apostólico Pio Laghi, o ex-presidente da Igreja Católica da Argentina Raúl Primatesta, e outros bispos da Conferência Episcopal assessoraram o seu governo sobre a forma de manejar a situação das pessoas detidas-desaparecidas."
http://www.vermelho.org.br/al/noticia.php?id_noticia=189138&id_secao=7

E não são os únicos exemplos. Há mais.


Nota: O Cristianismo não pode ser acusado pelos crimes que os nazis cometeram, nem o acuso de tal coisa. Apenas os Nazis podem ser acusados pelos crimes que cometeram. O que os nazis fizeram não foi em nome do Cristianismo nem em nome do paganismo. Fizeram-no em nome de uma ideologia política completa, seria um erro tremendo atribuir a uma religião as culpas daquilo que os nazis fizeram, pois em causa estava um vasto regime político com múltiplos objectivos e ideais políticos.
O que eu critico é o oportunismo da Igreja para aprofundar os seus tentáculos na sociedade, aproveitando a suspensão do secularismo, e depois a passividade, mais as acções de andarem a ajudar a esconder criminosos de Nazis. Não foi uma boa postura face ao problema, de todo.





Aelle escreveu:
A própria União Soviética, não me parece que seja um exemplo que te agrade. E desta vez damos uma volta de 180 graus - ou talvez não - e estamos sob a égide do regime da classe operária e camponesa. Insuspeito de ter relações amigáveis com a Igreja Católica!

Todas as instituições que se arrogam no sentido de defenderem determinado pacote ideológico ou doutrinário, tornam-se fechadas, dogmáticas, paranóicas e intolerantes.

Exemplo dos nossos dias: A "Comunista" Coreia do Norte. Onde os Kim são, literalmente, Deuses.

Sim, não me agrada a União Soviética nem os seus satélites mais orientais. Não aprecio nenhuma forma de totalitarismo. Seja ele considerado de "esquerda" ou "direita".
E sim, estamos a dar voltas de 180 graus, mas é em relação ao assunto que estava a ser abordado.




Aelle escreveu:
A tua visão das coisas parece-me limitada e míope.

Estás no direito de achares isso.
Pessoalmente não considero que tenha visão paricularmente míope, mas a respeito das limitações, acho que toda a gente tem uma visão limitada até certo ponto, a menos que se considere infalível e todo-poderoso, omnisciente. Não é o meu caso. Há que ter a humildade de reconhecer que a nossa visão é finita.
Suspeito que também consideras ter limitações. Correcto?

Aelle escreveu:
A Igreja Católica, durante muito tempo, foi (e ainda é, apesar de tudo)apenas mais um tentáculo de um polvo gigantesco, que constitui o regime ocidental. Estas pequenas questiúnculas, hoje, são areia para os olhos da população. Gostava de ouvir falar mais na Goldman Sachs, por exemplo. Entre outras questões. Abrirei outro tópico nesse sentido. Os senhores do regime, divertiram e divertem a população com estes temas, mais mediáticos, e entretanto, os países perderam a soberania, a economia, e ficaram entregues a vampiros especuladores, e sorvedores dos recursos dos povos. Enfim. Para mais, patetices como o casamento homossexual, tem sido o álibi perfeito para os partidos "socialistas", que estão perfeitamente alinhados com as políticas de centro-direita, no sentido de se afirmarem como sendo progressistas, e de esquerda.

Really, achas que é esse o objectivo? Achas realmente que não há qualquer importância em reconhecer os direitos civis de quem, neste momento, não pode usufruir deles e está impedido de casar? (nos países onde de facto não podem).
Sempre achei piada às acusações da se estar perante uma gay agenda e um lobby gay. O que é a gay agenda/lobby gay? E qual é o seu objectivo? O que tenho ouvido em termos de acusações é quase tão absurdo quanto as teorias da conspiração a respeito da maratona de Boston.
O que é que os direitos dos homossexuais têm a ver com "ficar entregues a vampiros especuladores"?

Tens a noção que o problema da discriminação de homossexuais não é de agora e já se alarga há milénios, tal como era o problema da emancipação feminina? Achas que não há qualquer pinga de legitimidade em acabar com discriminações injustificadas, que são cada vez menos compatíveis com a modernidade?
É absurdo ignorar tudo isso e invocar umas teorias conspiratórias sobre isto não passar de uma manobra para ficarmos mais dependentes de vampiros especuladores e tudo mais. Não faz qualquer sentido e é recusar ver o que realmente está em causa. É minimizar qualquer importância de reconhecer os direitos destas pessoas, dando preferência a "teorias" rebuscadas.



Aelle escreveu:
Entregam tudo aos privados obscuros, relacionam-se com os mafiosos, e destroem a social-democracia. E soberania. Mas calma, aprovaram o casamento gay, portanto, está tudo bem, ainda são de "esquerda"! De resto, o próprio Passos Coelho já se manifestou como sendo a favor dessas leis. A luta é outra. O Vaticano não tem força praticamente nenhuma, nesta altura do campeonato.

Estás a fazer um straw man a quem apoia o reconhecimento dos direitos dos homossexuais. Achas realmente que o que estás a afirmar pinta a realidade? Não achas que é uma acusação rebuscada?
As pessoas estão longe de adorar o governo só porque este aprovou ou deixou de aprovar o casamento gay. A tua acusação não faz sentido, nunca antes se viram tantas manifestações e descontentamento com o governo, ao ponto de qualquer coisinha boa que o governo possa tentar fazer, dificilmente irá reverter o descontentamento. A tua acusação está muito longe de se aplicar. E mesmo que o governo tivesse tentado aprovar o casamento gay para pelo menos fazer algo de positivo, já que não o faz na economia, mesmo assim não faria do casamento gay algo menos importante ou menos positivo. Tal como se o governo tomasse iniciativa de preservar o lince ou o lobo ibérico, também não faria dessas acções algo de menos positivo, por muito que acuses que há muito mais que o governo deve fazer para além disso (o que é verdade).
Não conheço uma única pessoa que tenha passado a adorar o governo por causa de uma única coisa positiva que tenha feito.

Aelle escreveu:
A comparação que fizeste entre o exemplo histórico que eu dei, relativamente à proibição das lutas entre nobres, e o imperialismo americano, não tem razão de ser, Averróis.

E a propósito, quando dizes o seguinte:

"Se achas que ainda hoje em dia o povo é ignorante e não tem poder, então devias ver na altura."

Esta comparação é totalmente injusta, uma vez que é desprovida das devidas proporções! Nós vivemos na Era da informação, e da "Democracia"! Jornais, televisão e internet, durante 24 horas por dia, comunicação feita através de uma língua globalizada, que nos permite, no espaço de minutos, entabular conversa com qualquer pessoa do mundo, partidos políticos, alfabetização, escolaridade obrigatória, etc, etc.

Hahahaha. Hello...? Já te perguntaste porque é que é assim? O que é que mudou desde lá para cá e porquê? Graças a quê? Que tipo de iniciativas possibilitaram essa mudança? E que tipo de iniciativas impediam-na no passado? Smile



Aelle escreveu:
E mesmo assim, o povo é incrívelmente, e voluntariamente, ignorante! E intelectualmente ocioso! Politicamente, não tem poder rigorosamente nenhum, precisamente devido às razões anteriores, entre outras! E por isso, estamos à beira de nos tornarmos um protectorado. Tendo em conta, portanto, as devidas proporções, não me parece que o "povo" de agora tenha mais poder, ou que seja menos ignorante.

O povo de agora é menos ignorante em relação a muita, mas mesmo muita coisa. É que nem tem comparação. Desde o conhecimento e preocupações ecológicas, até ao conhecimento científico que evita superstições que antes ceifavam vidas de inocentes constantemente. Se o povo podia e devia estar mais instruído? Sim. Se há muito que ainda pode ser melhorado? Há. Mas dizer que "não é menos ignorante do que era" é um retrato realmente pessimista que não está, de todo, a ter bem em conta do que era e do que é.
Existe muita gente ignorante e intelectualmente ociosa, sim. Existe muita gente estúpida também. Mas hoje em dia é como diz o outro "é preciso esforçar-se" para conseguir permanecer ignorante, tal não é a quantidade de informação à disposição.
Mas no geral, estamos melhor em muitos aspectos fundamentais. Mesmo no actual Portugal, com estas dificuldades económicas que começaram a surgir mais a sério em 2008, mesmo assim estamos melhor do que estavámos há centenas de anos atrás. Não apenas em acesso ao conhecimento e educação (por muito mal que possas dizer que está, nada bate a ausência de educação e a ausência de acesso ao conhecimento que estava restrito a uns poucos), como também em acesso à saúde, variedade de alimentação, etc, etc. Pensa em qualquer coisa que hoje dás como um dado adquirido, normal, como água canalizada, gás, electricidade. E lembra-te que não tinhas nada disso. Por vezes é preciso parar um pouco para ver o que realmente está em causa.
E mesmo que não queiras usar o exemplo de Portugal, que agora está fragilizado, olha por exemplo para os países europeus que, graças à modernidade, estão melhor do que algum reino/império/nação alguma vez esteve em vários parâmetros sociais. De acordo? Reconheces que estás a ser exageradamente pessimista na tua minimização das diferenças?
É que até a forma como tratamos os animais mudou, em geral, para melhor. A forma como tratamos as mulheres, a forma como tratamos outras pessoas no mundo. E após a Segunda Guerra Mundial com o aparecimento da Internet e o que daí resulta: aproximação entre nações, estamos num mundo mais pacífico e diplomático do que aquele que era, por muito que hajam sempre alguns conflitos em zonas problemáticas. Vive-se com relativa harmonia, e já vamos nos 7 mil milhões de habitantes. As mudanças são drásticas, geralmente para melhor. Bem melhor. Mas enfim, já chega de offtopic que estamos já muito afastados do tema que estava a ser discutido, vou acelerar o passo.

Aelle escreveu:
O clero e a burguesia queriam manter o povo sob um manto de ignorância. É certo. Hoje, as classes políticas "democráticas" juntam-se àqueles dois. Os Nobres, na Idade Média, eram ignorantes e analfabetos. O que não impedia que fossem uma classe dominante. Aliás, mais uma vez estás a ignorar o que eu referi no comentário anterior. A burguesia praticamente não existe até ao século XI. Portanto, das três classes tipicas da primeira Idade Média, nobreza, clero e povo, praticamente apenas a Igreja, como eu referi, alberga no seu seio os homens letrados do seu tempo. A importância dos mosteiros, dos monges, por exemplo, é incontornável. Goste-se, ou não, a Igreja teve uma importância decisiva no sentido de não deixar cair a cultura, e o uso da escrita. Aquando as invasões bárbaras, a Igreja torna-se a guardiã da herança Romana. Que, de resto, vai transmitir aos germânicos. Onde é que havia burguesia, na altura, Averróis? Foram séculos conturbados, e obscuros.

Repara que quando falei na burguesia já estávamos a falar da Idade Média.
Se procurares neste fórum, vais ver que já falei na Escolástica e na sua importância, ainda assim, para uma transição para o Renascimento, Revolução Científica e, mais tarde, o Iluminismo. E repararás que eu considero a Escolástica como o rastilho extremamente importante para se darem as transformações intelectuais que possibilitaram os avanços civilizacionais subsequentes.
A Igreja (pelo menos por um lado) foi responsável pela "idade das trevas" (termo que não é aceite por todos os historiadores, mas pessoalmente acho que se aplica devidamente). A Igreja fez com que o progresso intelectual - incluindo o dos próprios membros do clero - enfrentasse obstáculos maiores. Mais tarde o Index Librorum Prohibitorum tornou-se numa das ferramentas usadas para coagir um sem número de pensadores. Já para não falar de casos como o de Galileu Galilei e Giordano Bruno - inaceitáveis para qualquer sociedade livre com o objectivo de fomentar a ciência.
Acabou por ser a Escolástica, um pouco à margem da Igreja, e por vezes com diversas acusações de heresia e perseguições, livros queimados, banidos, etc, a fazer ruir por dentro, embora lentamente, a estrutura que a Igreja tentava impor à sociedade.
Portanto, apesar de eu ter queixas e mais queixas - queixas graves - sobre a intervenção da Igreja, tenho vários louvores a fazer a vários indivíduos da Escolástica pelas suas corajosas missões de busca do conhecimento. Averróis foi um dos casos que a Escolástica absorveu, ao adquirir a partir dele o Aristotelismo, mais concretamente na Unviersidade de Paris, onde chegaram os seus livros-comentário, formou-se o Averroismo (que depois foi perseguido pela Igreja, veja-se o caso de Siger de Brabante e Boécio de Dácia, entre outros). Portanto não é verdade que eu não reconheça qualquer valor aos indivíduos que nessa altura estavam empenhados em obter conhecimentos e tinham esse privilégio.


Aelle escreveu:
Bom, relativamente às fontes que pediste. Aqui estão os livros:

História da Civilização Ocidental, de Edward McNall Burns.

História Universal, Alta Idade Média, de José Angél de Cortázar y Ruiz de Aguirre, catedrático de História Medieval.

História Económica do Ocidente Medieval, de Guy Fourquin.

História de Roma, de Indro Montanelli.


Aconselho também, e suportando o que disse anteriormente, no tocante às culturas ancestrais de cada povo, e na irrelevância dos rótulos, o livro do nosso Alexandre Herculano, Eurico, o Presbítero. Herculano foi o homem que revolucionou a historiografia portuguesa, no século XIX. Eurico, o Presbítero, é um romance histórico, cuja acção decorre na Hispânia Visigótica. E, na verdade, através desse livro, (e outros, com certeza), temos a perfeita noção de que, sob a capa oficial da Igreja, - os Visigodos antes de se converterem ao Catolicismo eram Cristãos Arianos - os povos mantiveram as suas tradições, culturas, e essências. Eurico é um visigodo que se torna presbítero. Vou deixar aqui uma passagem do livro, que refere a presença da religião/cultura pagã germânica nas Igrejas hispânicas godas:

"O presbitério, situado no meio da povoação, era um edifício humilde, como todos os que ainda subsistem alevantados pelos Godos sobre o solo da Espanha. Cantos enormes sem cimento alteiam-lhe os muros; cobre-lhe o âmbito um tecto achatado, tecidod e grossas traves de carvalho subpostas ao ténue colmo: o seu portal profundo e estreito pressagia de certo modo a misteriosa portada da catedral da Idade Média: as suas janelas, por onde a claridade, passando para o interior, se transforma em tristonho crepúsculo, são como um tipo indeciso e rude das frestas que, depois, aluminaram os templos edificados no décimo quarto século, através das quais, coada por vidros de mil cores, a luz ia bater melancólica nos alvos panos dos muros gigantes e estampar neles as sombras das colunas e arcos enredados das naves. Mas, se o presbitério visigótico, no escasso da claridade, se aproxima do tipo cristão de arquitectura, no resto revela que ainda as ideias grosseiras do culto de Ódin não se tem apagado de todo nos filhos e netos dos bárbaros, convertidos há três ou quatro séculos à crença do Crucificado."

E, mesmo para acabar, importa dizer isto: Os Visigodos, antes de se converterem ao Catolicismo, não se misturavam com os Hispano-Romanos. Ou, pelo menos, estavam proibidos de o fazer. Não havia casamentos mistos. Os Godos apenas se podiam casar entre si. E resistiram, durante muito tempo, a essa abertura. E reparem, estamos a falar de etnias europeias! São traços culturais, e até humanos, que fazem parte dos povos. Os Patrícios Romanos também não se podiam casar com Plebeus. Pelo menos até determinada altura. Portanto, quando falamos de proibição de casamentos inter-raciais, por parte da Igreja Católica, temos, mais uma vez, de conhecer a História. Neste caso, no Ibérico, da segregação visigótica, o papel da Igreja Católica até foi no sentido contrário. São, repito, traços da génese humana. E tudo se enquadra nessa lógica.

Obrigado.
Em relação ao teu último comentário: Atenção que eu não disse que a Igreja Católica foi/é/será a única instituição religiosa ou social, ou de qualquer outra espécie, a tornar uma sociedade mais preconceituosa ou a prejudicar o bem-estar de cidadãos, etc. Isso é uma má leitura daquilo que afirmei.

Já agora, e para terminar, se não lestes ainda, lembro-te que podes ler aqui o "Why I am not a Christian": http://www.users.drew.edu/~jlenz/whynot.html
Talvez assim encontres a posição dele devidamente justificada e sustentada, ao invés de a julgares somente com base numa citação (uma citação que, discordando de ti, é pertinente e aplica-se bem).

Ps: Não tenho agora tempo para fazer uma revisão no texto - é muito texto. Portanto é possível que hajam erros e palavras fora do sítio, má construção frásica, etc. Mas espero que o essencial seja minimamente inteligível.
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MensagemAssunto: A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas   A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas Icon_minitimeSeg maio 06, 2013 3:49 am

Ora essa, Averróis, respondo com muito gosto. É tempo bem investido.

Aviso que o meu comentário é bastante extenso. Está, certamente, repleto de off-topics, mas, nesta altura, julgo que já assumimos as responsabilidades de uma conversa livre. Pelo menos pela parte que me toca.

Em relação à tua resposta, em muitos aspectos, eu volto a remeter-me ao comentário anterior. Mais uma vez, algumas das coisas que tu acrescentas ao debate são correctas. Nomeadamente no tocante a procedimentos da Igreja. Mas nada do que eu disse é contrariado pelos eventos que tu mencionas. Não sei até que ponto percebeste a extensão dos vários pontos do meu comentário. Em relação aos Deuses Pagãos, e à homossexualidade, eu referi-me à legislação da época. E os próprios costumes. Não se podiam casar! Na Roma Antiga, a homossexualidade era crime, não nos enganemos! E peço desculpa por colocar isto desta forma, vou tentar dar a volta às palavras: Para o Romano, o homossexual era o "passivo", digamos assim. Nos bordéis, os homens optavam entre mulheres e outros homens. Mas nunca pela "passividade". Em relação aos Gregos - subentendo que te referes aos Atenienses, porque Esparta era outra conversa! - com toda a sua filosofia, e que pensadores interessantes se passearam por lá, praticavam a pedofilia, e não consideravam a mulher como cidadã de pleno direito. Não me parecem bons exemplos. Relativamente aos mitos pagãos: eles são repletos de histórias grotescas, algumas conseguem ser engraçadas, dentro da sua bizarria: Basta contar a história de Pasifae, uma deusa que se apaixonou por um touro branco. Ora bem, o que fez ela? Pediu ao artesão Dédalo que lhe construísse uma bela vaca de madeira, e meteu-se dentro dela, para poder copular com o touro. E assim nasceu o famoso Minotauro. Imagino que não defendas o casamento entre mulheres e touros! É melhor não fazermos muitos paralelismos com os mitos. E agora, reflectindo bem, parece-me que estamos perante um caso de violação encapotada (literalmente), porque o touro pensou que estava a cobrir uma vaca. Bom, felizmente é um caso que dificilmente perturbará o legislador...


Dizes que rejeitas a ideia de que o cristianismo seja pacífico, remetendo para a leitura da Bíblia. Em boa verdade, foi o que fiz. Uma edição anotada e prefaciada por um Historiador. Com efeito, a Bíblia é um livro de horrores, eu já disse isto várias vezes, particularmente o Antigo Testamento. O Novo é bastante pequeno. Mas estamos a falar de Cristianismo. Diz o Evangelho segundo Mateus:

Ouvistes o que foi dito: "Olho por olho, e dente por dente." Eu, porém, digo-vos que não resistais ao que é mau; mas, se alguém te ferir na tua face direita, apresenta-lhe também a outra. - esta é conhecida. Parece-me bastante pacífico! E prossegue:

Ouvistes o que foi dito: "Amarás o teu próximo" e aborrecerás o teu inimigo. Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem (...) Porque, se amais somente os que vos amam, que recompensa haveis de ter? E se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de especial? - Bem, isto então roça os limites do razoável. Certamente não são ideias que eu subscreva, ou siga. E nem a Igreja Católica, pelos vistos. Repara que aqui, a doutrina cristã - independentemente da sua origem - coloca-se em oposição ao judaísmo. Como referiste, e bem, uma espécie de upgrade da versão original. De qualquer das formas, não concordo com a tua rejeição. Isto está na Bíblia, e o seu conteúdo é pacífico e passivo. Eu rejeito-o! Mas assim é.

Encontrei aqui outra passagem interessante, que inviabilizava, praticamente à nascença, a existência da Igreja! Muito bom:

Devemos renunciar aos bens da terra. Não acumuleis para vós tesouros na terra, onde a ferrugem e a traça os consomem, e onde os ladrões perfuram as paredes e roubam. Entesourai para vós tesouros do céu, ondenem a ferrugem, nem a traça os consomem (...) Ninguém pode servir a dois senhores (...) não podeis servir a Deus e à riqueza.

Em boa verdade, um anti-cristão digno desse nome atingiria o seu clímax como chefe da Igreja Católica. E a negação de toda a génese e natureza da Igreja continua com Não julguemos o próximo.

Passando a outro ponto:

Tens uma visão bastante maniqueísta das diferentes épocas históricas. E também dogmática. É uma pena. Nesta altura já tornámos o tópico um espaço para discutirmos, enfim, basicamente, tudo o que envolve a vida do Homem que se organiza em comunidades. Por conseguinte, a civilização. Suas conquistas tecnológicas, e consequências. Positivas, e nefastas. Valores, estilos de vida, etc. De resto, há constantes avanços e recuos, a vários níveis. Mas não devias orgulhar-te da tua ingenuidade, e visão enfabulada das realidade. E entraríamos numa discussão filosófica interessante, mas sem fim à vista. O meu apontamento relativamente à abundância em que vive a sociedade ocidental foi irónico, e crítico dos seus produtos. Leia-se cidadãos. Não encaro o modelo em que vivemos como algo louvável. Bem pelo contrário. E atenção, mesmo pensando apenas na Europa Ocidental! E enfim, há numerosos tipos de comunidades humanas, por esse mundo fora. Algumas vivem em tribos, por exemplo. Tribos essas que são engolidas no alegre Brasil, pelo "desenvolvimento" industrial. Tal como o resto do planeta, porque é uma questão de matemática. De qualquer forma, terá o seu fim, a seu tempo. A própria guerra e o imperialismo sempre foram motores de vários avanços e evoluções. No campo das várias ciências. E do fim de sociedades decadentes. Fica, de resto, um apontamento: o regime nacional-socialista (antes da guerra), bem como o soviético, permitiram avanços na linha dos que tu registaste, muito superiores aos do parlamentarismo. Sociais, educacionais, do ponto de vista dos bens de consumo - quem não se lembra do wolksvagen? - etc, etc. Acho delicioso o facto de mencionares a alimentação, quando as pessoas, particularmente os jovens, se tornaram animais de cativeiro tão patéticos e influenciáveis, que é preciso, em tudo o que é programa, e documentário, voltar a ensiná-los a comer de forma minimamente saudável. Caem como tordos, infelizmente, com a saúde feita num oito. Mas pronto, já vai um off-topic do tamanho de um Big Mac. - Viva a sociedade de consumo! Sociedade de consumo, que deita milhares de toneladas de alimentos para o lixo. A mesma sociedade onde, ainda assim, existe fome. Um paradoxo de duas realidades grotescas, que se complementam como tal.

O homem preocupa-se mais com a ecologia? Isso é uma piada? O Homem, no último século e meio, durante a maravilhosa evolução e desenvolvimento industrial rebentou com o planeta! A Terra e o seu organismo, leia-se natureza, estão literalmente a cair de podres! Efectivamente, em teoria, o Homem não tem nenhuma alternativa, a não ser, preocupar-se com a ecologia! Isto, se quiser salvar o seu próprio coiro. Mas, mesmo para aqueles que julgam que o mundo é só aqui a Europa, e confiam na retórica pró-ambiente, há que lembrar que os governos do restante planeta nem sequer pelo diapasão da propaganda afinam. O Regime assenta no pressuposto da exploração sistemática, e ilimitada dos recursos do planeta. Até à exaustão e até à medula. O que, ironicamente, está também a levar à destruição do Ser Humano. Os Chineses neste preciso momento estão a esventrar a Floresta da Amazónia, em busca de recursos variados. O continente africano é palco da mesma situação, por parte de diversos Governos. Pequim incluída, claro. A mesma China, onde há zonas tão poluídas, que os cidadãos são forçados a sair à rua de máscara! Isto, claro, aquelas onde já não é possível disfarçar a toxicidade. Porque há muitas outras em que a decrepitude da atmosfera é respirada. A mesma realidade passa-se no México, e na América Latina. E um pouco por todo o mundo. Relembro também um pequeno pormenor, a maravilhosa energia nuclear! Que, se esquecermos o igualmente pequeno facto de ser a causa da tragédia de Hiroxima e Nagasaki - tragédia contínua, porque as radiações continuam, e continuarão a fazer vítimas - podemos, mesmo assim, lembrar-nos de outros desastres, como Chernobyl e mais recentemente, Fukushima. E, meus caros amigos, as sequelas que estes "incidentes" deixam, são bem mais destrutivas do que o Regime se atreve a admitir. Cancros, imunodeficiências, entre outras, etc, etc. Isto, claro, para mencionar apenas as mazelas atribuídas ao todo-poderoso Ser Humano. O conto nunca mais acaba: Lixo tóxico e nuclear: já ninguém sabe o que lhe fazer. É, literalmente, uma bomba relógio. "Isolam-no" em catacumbas, - e este isolam-no é para ler com muitas aspas, e nova triste ironia, - como quem varre o lixo para debaixo do tapete. Há quem pense em começar a lançá-lo no Espaço. É uma alegria! E para quê? Para sustentar o regime, com certeza. Portanto, se nos esquecermos de outro pequeno pormenor, que é o facto de as grandes potências - e até aquelas que não são assim tão grandes - estarem artilhadas com armas nucleares até aos dentes, arsenal suficiente para explodir e implodir com esta brincadeira dezenas de vezes, mesmo assim, enfim, começa a ser difícil negar a evidência. As coisas não parecem muito cor de rosas, no futuro. E claro, vamos acreditar, que a Humanidade nunca mais se envolverá num conflito mundial. Não! Claro que não! Ahah! No tocante à ecologia, muito mais haveria para dizer. As "fugas" de petróleo, no oceano, a poluição quase insultuosa e pornográfica, que faz parte de praticamente todas as sociedades. Em grande escala.

Seguinte: O Homem preocupa-se mais com os animais? Outra piada? Está muito engraçado, isto. O Homem, mais uma vez, para satisfazer as suas necessidades, cada vez maiores, e mais supérfluas, devido, lá está, à configuração do Regime, cuja palavra de ordem é consumir, consumir, usar, gastar, e rápido, porque se faz tarde, trata os animais como lixo! Nem sequer como bens de valor, mas lixo! São enfiados em gaiolas e cativeiros minúsculos, às vezes pouco maior do que o seu próprio tamanho, engordados, e depois de uma "vida" curta, infeliz e sofrível, são abatidos! Muitas vezes de forma incrivelmente dolorosa, e miserável. Decadente, triste. E a Europa, mais uma vez, nem será dos piores locais. Mas é mau! Não olhem para a Ásia, neste campo. Marcha tudo, tartarugas em vias de extinção que são mortas para - imaginem isto - a venda das suas carapaças; tigres, igualmente em risco, são massacrados porque - it gets better! - se acredita que consumindo certas partes do animal, a potência sexual aumenta a sua capacidade de performance. Filmes pornográficos com animais, consumidos por um número de pessoas doentiamente elevado, - onde é que andam as leis e as autoridades?! Isto é legal? Viva o Estado de Direito século XXI, elevado, repleto de valores, moral e ética! Nojo. Por todos os Deuses, como se diz aqui no Norte, abrir a pestana, que estas realidades não são assim tão obscuras.


Em relação à "Idade das Trevas". Bom, esse termo é associado à primeira Idade Média. Entre os séculos V e X, principalmente. Ou seja, coincide com o fim do Império Romano, e início do desmantelamento do conceito de Estado, emergência de reinos de inspiração tribal, etc. Tu não podes dizer que "para ti", o início da Idade das Trevas se deve à Igreja! Já estamos fora do domínio da opinião, é uma questão de análise dos factos. Aliás, a Igreja foi a instituição que permitiu uma certa unidade e homogeneidade, cultural, entre outras, na Europa Ocidental. O que, de certo modo, permitiu que os Estados Europeus se relacionassem entre si, comunicassem, se influenciassem mutuamente, e partilhassem o seu percurso civilizacional e histórico. O que, igualmente, permite que, apesar de todas as guerras, os cidadãos europeus, principalmente no Ocidente, se relacionem entre si, sem sentir diferenças culturais particularmente relevantes. A aproximação entre as nações,- refiro-me particularmente às europeias - que tu aplaudes (e eu também) não é um produto do pós II Guerra! Repito: os regimes não programam a mentalidade colectiva e memória histórica dos povos. A Jugoslávia bem tentou. Esta aproximação, é, sim, fruto das razões e percursos históricos que eu apontei neste mesmo parágrafo. As afinidades e tensões manter-se-ão. Estão lá sempre.

Mais, e voltando às origens das "Idade das Trevas", Átila, o huno, esteve a um passo de destruir Roma. O papa Leão conseguiu dissuadi-lo a fazê-lo. Ninguém sabe bem como. Provavelmente nunca tinha visto um pedaço de roupa limpo, muito menos branco. Em todo o caso, se os hunos tivessem arrasado a Europa Ocidental, o curso da História podia ter sido totalmente diferente. Em relação aos bárbaros germânicos, eles traziam consigo costumes distintos, inclusivamente alguns hábitos de segregação, que eu já apontei no comentário anterior. Entre muitos outros. Na verdade, a Igreja dos primeiros séculos obscuros funcionou como uma instituição "romanizadora" dos novos pseudo-estados emergentes. E por isso é que nós falamos uma língua latina, por exemplo. E, volto a dizer, apenas com a conversão ao Catolicismo, os Godos, na Península Ibérica, passaram a considerar como seus semelhantes, tanto socialmente, como juridicamente, os hispano-romanos. A própria sobrevivência da cultura literária, como eu já disse, bem como da manutenção e administração de algumas cidades, etc, deve-se à Igreja. Era a única instituição organizada que estava em campo. Apenas por isso. Qual teria sido, por exemplo, a história do Livro? Os hispano-romanos não passaram a falar Godo. Os Godos é que passaram a falar uma versão bastarda do latim. Que eventualmente deu origem aos vários idiomas peninsulares, com influências, poucas, do Godo e, em maior número, do Árabe. Isto são factos, goste-se ou não. Não se pode fazer a historiografia da hipótese, mas, é muito possível que, sem a acção da Igreja, a Europa pós-destruição do Império Romano, se tivesse tornado num conjunto de pequenos reinos tribais, que, do ponto de vista da nossa cultura actual, equivaleria a uma regressão civilizacional muito superior. Eu não digo que teria sido mau, ou bom. Repito: do ponto de vista da nossa cultura actual. Esses pequenos, primitivos e desarticulados reinos, inclusivamente, dificilmente teriam conseguido suster as invasões muçulmanas, por exemplo. Muito menos dar origem à Europa das Nações, como nós a conhecemos. E, por conseguinte, aos europeus, como nós o somos. Bom, exercícios de especulação.

Acrescente-se que muitas das realidades e instituições que ainda hoje sobrevivem, no nosso modelo civilizacional, e que são consideradas como pilares importantes do mesmo, nasceram na Idade Média. Coisas de pouca relevância, como por exemplo a Universidade Smile Há ideias feitas, dogmatismos, que são, pura e simplesmente, errados.

Entendamos isto: A Igreja, após a queda de Roma, foi herdeira da ideia de Império. E também de Estado. E foi influenciando os povos bárbaros nesse sentido. Sempre por motivos políticos, como é óbvio. Não é essa a questão. Temos que ser objectivos. Os reis germânicos, entre outros, tinham o hábito e o costume tribal de dividir o património entre todos os seus filhos, e legá-lo como herança. Aliás, é uma realidade que o nosso Direito herdou dos Visigodos. Todos os filhos herdam uma parte do seu pai. Esta tradição, por muito bonita que seja, traduzia-se em aberrações como a partilha de reinos inteiros! O rei franco Carlos Magno apoiou-se na Igreja no sentido de tentar construir uma espécie de Estado. A Renascença Carolíngia. Após a sua morte, e do seu filho, o Império Carolíngio acabou por se desmantelar, porque foi dividido entre os seus três netos. É elucidativo da instabilidade, fruto dos costumes tribais, que grassava na época. Claro que, o objectivo da Igreja era controlar os chefes de estado laicos, com certeza. E vice-versa. A fraqueza dos "Estados" alimentava o feudalismo, e impedia a existência de uma ordem pública, que aplicasse com eficácia, pelo menos nas principais cidades, algumas leis gerais. A protecção dos cidadãos ficava, pois, a cabo dos senhores feudais. A troco da submissão.

As cruzadas são pregadas em 1095, por motivos políticos, e sociais. Mais uma vez. Houve um crescimento demográfico bastante acelerado, e os recursos agrícolas, agro-pecuários, etc, deixaram, pura e simplesmente, de poder alimentar uma parte demasiado significativa da população. Importa dizer que os "cruzados", pilhavam igualmente os seus irmãos de fé. Bizâncio, por exemplo, foi saqueada.

O massacre de Lisboa decorreu em 1506, ou seja, já depois do período onde convencionalmente se insere a Idade Média. Tal como muitos outros factos e eventos históricos que referiste. Relativamente ao massacre, mais que motivos religiosos, são outra vez, questões e tensões sociais, e políticas. Os Judeus, em Lisboa, já detinham um poder económico e financeiro bastante grande. Aproveitaram bem, por exemplo, a evolução comercial dos finais da Idade Média. Que é quando surgem os primeiros bancos, por exemplo.


Alemanha Nacional-Socialista: Ainda hoje, a zona da Baviera, particularmente as terras mais pequenas, é incrivelmente católica. É próxima da cultura romana, o sul da Alemanha. Aliás, o regime e a estrutura do III Reich era profundamente, e nitidamente, influenciado por Roma. E também Esparta, que pouca gente conhece. A ideia do cidadão subordinado ao Estado, a ideia de uma raça superior, a ideia Imperial, expansionista, as legiões, os estandartes, a saudação imperial, lá está, o Imperador, o Fuhrer, o povo em armas, a segregação étnica militante, tropas de elite representantes da nata do povo, etc, tudo isto é Roma. Tudo isto é Esparta. Enfim, tudo isto é a espécie humana, mas foi a esses modelos que os Nacional-Socialistas foram buscar muitas influencias directas. Os Nacional-Socialistas, estou convencido, tiveram necessidade de se escudar no Cristianismo, para arregimentar as massas. De qualquer forma, era um Cristianismo à medida dos alemães, e da sua cultura. Eu volto a insistir nisto: a oficialização das crenças não apaga a essência de um povo. E a forma como ele se relaciona com o que o rodeia. Seja ele qual for.

Dentro do próprio Partido Nacional-Socialista, e do regime, havia sensibilidades diferentes, relativamente à postura a adoptar, em termos de política externa. Hitler era, acima de tudo, um Europeu. Era um amante das artes, gostava da Europa, e, embora considerando a raça germânica superior, era muito mais pragmático, e apreciador da cultura latina. Lembremos-nos que Hitler era austríaco, e, acreditem, um austríaco não vê necessariamente com bons olhos um alemão. Hitler era um admirador e amigo de Mussolini, e aliado da Itália. E as palavras-chave aqui são admirador e amigo. Eventualmente, deixou de ser admirador, mas manteve-se amigo. Hitler faz-se fotografar, quando invade Paris, com a torre Eiffel como cenário. Hitler adorava Paris, por exemplo. Tentou aproximar-se do Reino Unido. Por outro lado, detestava a Europa de Leste, e desprezava os Eslavos. Nesse aspecto, Himmler afinava por outro diapasão. Apreciava a Europa de Leste, do ponto de vista étnico, e das suas afinidades com a Germânica. Neste campo. Aliás, as SS raptaram muitas crianças ucranianas - que preenchessem os requisitos étnicos, físicos, e estéticos - às suas famílias, para as educarem como futuros soldados de elite.

Anti-semitismo: Bom, mais uma vez, motivos políticos e sociais. A Igreja não detém este monopólio, nem sequer na Idade Média. Muito menos nos séculos XX e XXI.

Quanto ao casamento homossexual: não me parece que seja um direito fundamental. Eu fiz os paralelismos precisamente para dar ênfase à questão das prioridades. Porque se fez um incrível alarido, debates, etc, etc, à volta disto, precisamente porque é um "tema fracturante", ideal para entreter o zé-povinho, enquanto tudo o resto, a política digna desse nome, que decide, sim, as vidas das pessoas, é realizada na obscuridade. Insistindo ainda na questão do casamento homossexual, do ponto de vista dos costumes, calculo que quase tudo seja discutível. No entanto, a meu ver, uma sociedade deve preservar alguns traços, na lei, que a definam, do ponto de vista cultural. Por exemplo, porque é que não é permitido andarmos nus na rua? Uma vez que há tribos, por esse mundo fora, onde tal acontece, e é uma situação perfeitamente normal. Mas, lá está, é a cultura desses homens e mulheres, e não a nossa. Há países onde um homem se pode casar com várias mulheres, para dar outro exemplo. Porque não estudar essa hipótese, e eventualmente aplicá-la aqui?

A propósito, é engraçado teres mencionado as superstições dos povos, porque a conversão de algumas tribos africanas ao Cristianismo, findou com certas práticas daquela natureza, verdadeiramente atentatórias à dignidade de qualquer ser vivo. Ainda hoje, algumas delas praticam mutilação genital feminina. E canibalismo-homicida. A europeização/ocidentalização, etiquetada com o rótulo da evangelização cristã, acabou com alguns desses comportamentos.

E, como tu disseste, e bem, ao mesmo, cometeu crimes horríveis.

Não nos enganemos, eu abomino a Igreja Católica. Como igualmente abomino versões simplistas e branqueadoras da verdade histórica. Insisti em apontamentos de factos que buscam a mesma, com o maior distanciamento possível. No entanto, recuso-me a desresponsabilizar o género humano. A Igreja Católica é uma instituição obscurantista, como, eventualmente, são todas as que visam o poder. Essas mesmas instituições atrairão, sempre, oportunistas, pessoas sem escrúpulos, e as massas humanas, que se portam, habitualmente, como animais de manada. As pessoas, "organizadas" dessa forma, entre outras, revelam os seus instintos predatórios, violentos, opressores e sádicos mais obscuros. Deliravam com as queimas da Inquisição, com os massacres do Circo de Roma, com os sacrifícios, etc. Faz parte, esta sede predatória humana. Brota em todos os campos. Até em realidades aparentemente simples e lúdicas, como é um simples jogo de futebol. Deixando o estudo da espécie, e voltando ao da natureza da instituição, no que toca à Igreja, podemos, por exemplo, fazer um paralelismo quase gémeo com o Partido Comunista da União Soviética. Forma de funcionamento do aparelho, arregimentação, perseguição dos dissidentes, etc. E claro, tomada do poder por indivíduos que, de comunistas, colectivistas, tinham muito pouco, como se viu. Compreendendo que, para se construir um regime político, é necessário uma organização, para o bem ou para o mal. Mas, para estar em comunhão com o divino, a própria existência de uma instituição dessa natureza, é uma contradição gritante. Tratar-se-á sempre de política. A existência das instituições organizadas, do ponto de vista filosófico, é útil, no sentido em que é uma janela aberta para a simplicidade bestial da espécie humana. E perigosa também. Talvez um dia eu escreva um tratado intitulado "Why I am Not a Humanist". Lerei o senhor Bertrand Russell. E a questão não é a discordância pela discordância. É a diferente forma de abordar as coisas. Quanto mais abrangente, melhor. O dogma e o sectarismo, estão presentes em cada esquina. E no âmago da generalidade das pessoas. É a natureza. Mesmo quando menos se espera.

A idade em que vivemos hoje, em grande medida, não é menos obscurantista que outras quaisquer. A própria ciência, e desenvolvimentos tecnológicos, só são aceites se servirem o regime. Já há tecnologia e conhecimento suficientes para terminar com o uso dos combustíveis fósseis, por exemplo. Há protótipos de veículos movidos a água. Há também projectos de automóveis, cuja chapa resistiria às consequências dos choques, num acidente de viação. É arrepiante, como é que na era da comunicação global, as pessoas se permitem viver como insectos, seguindo o estilo de vida que lhes é imposto. Não questionam nada, nem tomam atitudes. Vivemos num regime em que o objectivo é o lucro pelo lucro. O consumo pelo consumo. E as indústrias reinantes são, principalmente, a bélica (comércio de armas), e farmacêutica. Basicamente, interessa ao regime que haja guerras, e doenças. A "indústria da doença" é arrepiante. Empresas como a Merck estão cheias de processos, porque, felizmente, ainda há jornalismo de investigação. Unidas a médicos corruptos - demasiados - criaram uma máfia, à custa da saúde e do orçamento, dos pacientes e dos Estados, que patrocina o consumo exagerado de medicamentos e fármacos. O "paciente" saudável, muitas vezes é induzido em sentido contrário. Toma medicamentos que lhe vão causar efeitos secundários terríveis, muitas vezes fatais e incapacitantes. Casos dos anti-depressivos, anti-psicóticos, e medicação contra a osteoporose. Apenas para dar alguns exemplos.


Sabendo que é do teu conhecimento, mas por uma questão de justiça, e compromisso com os factos da actualidade, porque a nossa conversa é aberta a outros participantes, - pelo menos o Kraft já interveio - uma última menção:

De qualquer forma, e para estarmos atentos, acho relevante lembrar outras religiões organizadas, que, nos dias que correm, são causas maiores de situações de guerra, terrorismo, aniquilamento, genocídio, e imperialismos vários. Inclusivamente económico e financeiro. O plasma das sociedades. Os israelitas, escudando-se no Judaísmo, ocupam uma terra que não é a sua. Não contentes com isso, expandem-se, qual "povo eleito", em colonatos bacterianos, como vírus, à custa dos Palestinianos, e quem ousar contrariar a ordem imperial dos Judeus. Através das incursões do exército israelita, ou de terrorismo "de iniciativa privada", a palavra de ordem é varrer do mapa, literalmente, todo e qualquer ser humano que não seja judeu. Leia-se, exercer violência, e até, em muitos casos, cometer homicídios. A sangue frio, ou através de atentados. Neste caso, os palestinianos. A "Comunidade Internacional", devido ao poderio financeiro e económico dos Judeus, o que significa, no Regime vigente, deter igualmente as rédeas do poder político, não pode fazer nada. Nem quer.

No domínio da política interna, Israel, ao contrário do que diz a propaganda ocidental, não é nenhum exemplo de democracia, nem de direitos humanos! Abrirei outro tópico nesse sentido. Em algumas cidades e localidades israelitas, as mulheres que se atreverem a sentar-se à frente, nos autocarros, são expulsas ou espancadas. São igualmente proibidas de entrar em algumas livrarias, e outros locais "públicos."

Quanto ao Islamismo, outra realidade lamentável. Os movimentos extremistas decidem cometer atentados terroristas que matam e estropiam dezenas de milhares de pessoas inocentes, que não têm nada a ver com a justa luta pela libertação anti-israelita. Em termos de política interna, há países onde a homossexualidade, por exemplo, é punida com a morte. E o roubo, com a mutilação.

O próprio Hinduísmo, que não faz parte do trio fantástico do pseudo-monoteísmo médio oriental, contêm em si traços culturais que se traduzem em verdadeira selvajaria social, e na vida quotidiana das pessoas, particularmente na Índia.


E enfim, discussões tão intermináveis como interessantes. E úteis.
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MensagemAssunto: Re: A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas   A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas Icon_minitimeTer maio 07, 2013 3:11 am

Aelle escreveu:
Ora essa, Averróis, respondo com muito gosto. É tempo bem investido.

Aviso que o meu comentário é bastante extenso. Está, certamente, repleto de off-topics, mas, nesta altura, julgo que já assumimos as responsabilidades de uma conversa livre. Pelo menos pela parte que me toca.

Em relação à tua resposta, em muitos aspectos, eu volto a remeter-me ao comentário anterior. Mais uma vez, algumas das coisas que tu acrescentas ao debate são correctas. Nomeadamente no tocante a procedimentos da Igreja. Mas nada do que eu disse é contrariado pelos eventos que tu mencionas. Não sei até que ponto percebeste a extensão dos vários pontos do meu comentário. Em relação aos Deuses Pagãos, e à homossexualidade, eu referi-me à legislação da época. E os próprios costumes. Não se podiam casar! Na Roma Antiga, a homossexualidade era crime, não nos enganemos!

Como eu referi no penúltimo post, na Roma Antiga a homossexualidade não foi sempre crime. Só depois com a introdução do Código de Teodósio é que se começou a proibir tais uniões (já depois de Constantino I ter adoptado o Cristianismo como religião oficial do Império Romano). E mesmo a Lei Scantinia não proibia relações homossexuais. Portanto não é verdade que a homossexualidade era crime (como se nunca tivesse sido consentida institucionalmente na Roma Antiga). Isto é referente ao que me tinhas perguntado sobre a "homossexualidade debaixo dos Deuses pagãos".
Antes disso a Roma Antiga era, tal como a Grécia Antiga, bem mais despreocupada com o assunto da homossexualidade do que o que viria depois a ser (especialmente) com a introdução do Cristianismo na sociedade. O próprio assunto da sexualidade em geral era tratado de forma muito diferente antes dessa adopção do Cristianismo, onde até a prostituição era encarada com toda a naturalidade no quotidiano. Passou-se de uma altura onde até a nudez e a sexualidade era vista com naturalidade na arte, para um período onde a nudez começou a ser encarada como tabu e um atentado ao pudor.
Portanto não, a homossexualidade não era crime em vários períodos da Roma e Grécia antigas e havia uma maior abertura para a sexualidade em geral.

Já agora: http://en.wikipedia.org/wiki/Sexuality_in_ancient_Rome


Aelle escreveu:
E peço desculpa por colocar isto desta forma, vou tentar dar a volta às palavras: Para o Romano, o homossexual era o "passivo", digamos assim. Nos bordéis, os homens optavam entre mulheres e outros homens. Mas nunca pela "passividade".

Correcto. Mas isso é dentro da visão da altura.
Actualmente a homossexualidade refere-se aos indivíduos que têm atracção por pessoas do mesmo sexo, independentemente da adopção de um papel activo ou passivo.
Hoje a homossexualidade é um termo mais abrangente e refere-se a homens e mulheres que, por natureza, só conseguem relacionar-se (em termos amorosos e sexuais) com pessoas do mesmo sexo, muito para lá de qualquer dicotomia do "passivo" e do "activo". E é esta a definição que hoje usamos para descrever a homossexualidade feminina e masculina.



Aelle escreveu:
Em relação aos Gregos - subentendo que te referes aos Atenienses, porque Esparta era outra conversa! - com toda a sua filosofia, e que pensadores interessantes se passearam por lá, praticavam a pedofilia, e não consideravam a mulher como cidadã de pleno direito. Não me parecem bons exemplos.

Correcto, não eram bons exemplos em muita coisa. Como aliás os romanos também não, tanto na antiguidade como posteriormente. Mesmo hoje em dia todas as sociedades têm os seus podres.
Não conheço uma única sociedade que seja exemplar em tudo, sem excepção. Por muito que se possa alegar, através da razão, que algumas têm uma saúde social superior em vários aspectos.

Aelle escreveu:
Relativamente aos mitos pagãos: eles são repletos de histórias grotescas, algumas conseguem ser engraçadas, dentro da sua bizarria: Basta contar a história de Pasifae, uma deusa que se apaixonou por um touro branco. Ora bem, o que fez ela? Pediu ao artesão Dédalo que lhe construísse uma bela vaca de madeira, e meteu-se dentro dela, para poder copular com o touro. E assim nasceu o famoso Minotauro. Imagino que não defendas o casamento entre mulheres e touros! É melhor não fazermos muitos paralelismos com os mitos. E agora, reflectindo bem, parece-me que estamos perante um caso de violação encapotada (literalmente), porque o touro pensou que estava a cobrir uma vaca. Bom, felizmente é um caso que dificilmente perturbará o legislador...

Existem mitos que traçam paralelos com a realidade e outros que almejam cenários mais fantasiosos.
É um pouco como a lógica da disciplina literária a que se dá o nome de "ficção histórica". Há ficção e ficção.

Tendo em conta o contexto social da Grécia Antiga que, como tu próprio admites, via a pederastia com naturalidade, não me parece que os exemplos de Ganímedes e Zeus sejam pintados de forma completamente despegada à própria ethos da sociedade grega.



Aelle escreveu:
Dizes que rejeitas a ideia de que o cristianismo seja pacífico, remetendo para a leitura da Bíblia. Em boa verdade, foi o que fiz. Uma edição anotada e prefaciada por um Historiador. Com efeito, a Bíblia é um livro de horrores, eu já disse isto várias vezes, particularmente o Antigo Testamento. O Novo é bastante pequeno.

Ao contrário da crença popular, o Novo Testamento consegue ser pior que o Antigo Testamento por várias razões.

Aelle escreveu:
Mas estamos a falar de Cristianismo. Diz o Evangelho segundo Mateus:

Ouvistes o que foi dito: "Olho por olho, e dente por dente." Eu, porém, digo-vos que não resistais ao que é mau; mas, se alguém te ferir na tua face direita, apresenta-lhe também a outra. - esta é conhecida. Parece-me bastante pacífico! E prossegue:

Ouvistes o que foi dito: "Amarás o teu próximo" e aborrecerás o teu inimigo. Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem (...) Porque, se amais somente os que vos amam, que recompensa haveis de ter? E se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de especial? - Bem, isto então roça os limites do razoável. Certamente não são ideias que eu subscreva, ou siga. E nem a Igreja Católica, pelos vistos. Repara que aqui, a doutrina cristã - independentemente da sua origem - coloca-se em oposição ao judaísmo. Como referiste, e bem, uma espécie de upgrade da versão original. De qualquer das formas, não concordo com a tua rejeição. Isto está na Bíblia, e o seu conteúdo é pacífico e passivo. Eu rejeito-o! Mas assim é.

O problema é que o Novo Testamento não se resume a essas duas passagens. Ainda em Mateus, Jesus está descrito da seguinte forma, a legitimar o Antigo Testamento:

"Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas, não vim para revogar, vim para cumprir. Porque em verdade vos digo, até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra."
[Mateus 5:17-18]

Ou seja, não é afirmada qualquer oposição ao que é advogado no Antigo Testamento, pelo contrário, há um apelo ao cumprimento de tudo o que é afirmado no Antigo Testamento. Essa é a primeira. Depois é descrito um Jesus que frequentemente cita passagens da lei, do Antigo Testamento. E vai até ao ponto de tornar as penas ainda mais severas. Como a ideia de que olhar para outra mulher com desejo sexual já é cometer adultério, ainda em Mateus:

"Vocês ouviram o que foi dito: 'Não adulterarás'.
Mas eu digo: Qualquer que olhar para uma mulher e desejá-la, já cometeu adultério com ela no seu coração.
Se o seu olho direito o fizer pecar, arranque-o e lance-o fora. É melhor perder uma parte do seu corpo do que ser todo ele lançado no inferno.
E, se a sua mão direita o fizer pecar, corte-a e lance-a fora. É melhor perder uma parte do seu corpo do que ir todo ele para o inferno."
[Mateus 5:27-30]



Aelle escreveu:
Encontrei aqui outra passagem interessante, que inviabilizava, praticamente à nascença, a existência da Igreja! Muito bom:

Devemos renunciar aos bens da terra. Não acumuleis para vós tesouros na terra, onde a ferrugem e a traça os consomem, e onde os ladrões perfuram as paredes e roubam. Entesourai para vós tesouros do céu, ondenem a ferrugem, nem a traça os consomem (...) Ninguém pode servir a dois senhores (...) não podeis servir a Deus e à riqueza.

Em boa verdade, um anti-cristão digno desse nome atingiria o seu clímax como chefe da Igreja Católica. E a negação de toda a génese e natureza da Igreja continua com Não julguemos o próximo.

Tens uma melhor:
"Jesus respondeu: «Se você quer ser perfeito, vá, venda os seus bens e dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro nos céus. Depois, venha e siga-me»."
[Mateus 19:21]


E muitas dessas ideias surgem no contexto em que Jesus afirma que não vale a pena planear para o futuro, nem monetariamente, materialmente, nem de outra forma qualquer terrena, porque isto "é só uma passagem".
Jesus, segundo a bíblia, já na altura dizia que as pessoas não morreriam até que ele retornasse. Pelos vistos já morreram várias pessoas e ainda não regressou. clown

"Porque o Filho do homem há de vir na glória de seu Pai, com os seus anjos; e então retribuirá a cada um segundo as suas obras.
Em verdade vos digo, alguns dos que aqui estão de modo nenhum provarão a morte até que vejam vir o Filho do homem no seu reino."
[Mateus 16:28]

"É mais fácil os céus e a terra desaparecerem do que cair da Lei o menor traço."
[Lucas 16:17]

Ora aí está uma profecia de regresso falhada.

Ainda no Novo Testamento, lembra-te destas passagens que legitimam a escravatura:
"Escravos, obedeçam a seus senhores terrenos com respeito e temor, com sinceridade de coração, como a Cristo.
Obedeçam-lhes, não apenas para agradá-los quando eles os observam, mas como escravos de Cristo, fazendo de coração a vontade de Deus."
[Efésios 6-6]

"Vós, servos, sujeitai-vos com todo o temor aos vossos senhores, não somente aos bons e moderados, mas também aos maus.
Porque isto é agradável, que alguém, por causa da consciência para com Deus, suporte tristezas, padecendo injustamente."
[1 Pedro 2:18-19]

Para além dessa ideia imoral da escravatura, porque é que o Novo Testamento consegue ser ainda pior que o Antigo, em vários pontos, em termos de moralidade? Perguntarás tu. Por estas razões:

1 - Introduz o conceito da hereditariedade do pecado original - que não existe no Judaísmo. É a ideia de que a culpa pode ser herdada de pais para filhos, de ascendentes para descendentes. É uma ideia completamente imoral e induz ao medo, ao sentimento de culpa, serve para coagir e pressionar psicologicamente as pessoas indoutrinadas, a pagar por algo que não se fez.

2 - Introduzi o conceito da substituição da pena (expiação substitucionária, em inglês: substitutionary atonement), a ideia de que alguém inocente pode ser legitimamente julgado, preso e/ou morto na vez dos culpados de um determinado crime. É moral alguém inocente cumprir pena em nome de outra pessoa?

3 - Introduz o conceito de inferno, o tormento eterno, a não-salvação. É tal como a hereditariedade do pecado original uma ideia que induz ao medo, ao sentimento de culpa e é uma poderosa arma chantagista.

4 - As passagens como o Sermão da Montanha têm montes de coisas horríveis, a ideia da mentalidade de vitimização e martírio. Quanto mais perseguido, mais massacrado, quanto mais sangue e sofrimento se obtiver, melhor se está a seguir a vontade divina, porque foi isso que aconteceu com Jesus. Tudo o resto: discórdia e criticismo, é o diabo a fazer das suas e portanto não deve ser ouvido.

5 - Como já disse, promove o sentimento fatalista: a ideia de que não vale a pena tomar a vida pelas próprias rédeas, porque já há um fim traçado, e o regresso está para muito breve, não faz sentido investir num planeamento para o futuro. A vontade divina é que é importante, tudo o resto é irrelevante. Preocupações financeiras e qualquer outra projecção com objectivos futuros tornam-se desnecessárias, segundo passagens destas.

Isto para não falar das inúmeras passagens a discriminar a importância da mulher para lá do papel reprodutor, frequentemente submisso ao homem, até nas alturas em que pode abrir a boca para dizer qualquer coisa. As quais já citei neste fórum, noutro tópico.

Mais coisas do Novo Testamento:
Jesus diz: "Quanto, porém, àqueles meus inimigos que não quiseram que eu reinasse sobre eles, trazei-os aqui, e matai-os diante de mim."
[Lucas 19:27]




Aelle escreveu:
Passando a outro ponto:

Tens uma visão bastante maniqueísta das diferentes épocas históricas. E também dogmática. É uma pena.

É dogmática porquê? Qual é o dogma ao qual estou subscrito?

Aelle escreveu:
Nesta altura já tornámos o tópico um espaço para discutirmos, enfim, basicamente, tudo o que envolve a vida do Homem que se organiza em comunidades. Por conseguinte, a civilização. Suas conquistas tecnológicas, e consequências. Positivas, e nefastas. Valores, estilos de vida, etc. De resto, há constantes avanços e recuos, a vários níveis. Mas não devias orgulhar-te da tua ingenuidade, e visão enfabulada das realidade.

Ora a minha critica em relação à tua visão é semelhante: Não sejas pessimista ao ponto de afirmar que pouco mudou em termos sociais, como se não estivéssemos muito melhores em vários aspectos sociais importantíssimos para uma sociedade saudável, para um bem-estar.
Onde é que houve um recuo em relação aos períodos medievais, na tua opinião?



Aelle escreveu:
E entraríamos numa discussão filosófica interessante, mas sem fim à vista. O meu apontamento relativamente à abundância em que vive a sociedade ocidental foi irónico, e crítico dos seus produtos. Leia-se cidadãos. Não encaro o modelo em que vivemos como algo louvável. Bem pelo contrário.

Nem eu. No entanto isso não invalida a ideia de estarmos melhor do que estávamos em vários dos aspectos que mencionei. E se realmente discordas, então seria boa ideia que mencionasses quais são esses aspectos em que estamos piores, ao invés de me acusares de ter uma visão "enfabulada" da realidade. É que eu já referi alguns dos aspectos em que estamos melhores.

Aelle escreveu:
E atenção, mesmo pensando apenas na Europa Ocidental! E enfim, há numerosos tipos de comunidades humanas, por esse mundo fora. Algumas vivem em tribos, por exemplo. Tribos essas que são engolidas no alegre Brasil, pelo "desenvolvimento" industrial. Tal como o resto do planeta, porque é uma questão de matemática. De qualquer forma, terá o seu fim, a seu tempo. A própria guerra e o imperialismo sempre foram motores de vários avanços e evoluções. No campo das várias ciências. E do fim de sociedades decadentes. Fica, de resto, um apontamento: o regime nacional-socialista (antes da guerra), bem como o soviético, permitiram avanços na linha dos que tu registaste, muito superiores aos do parlamentarismo. Sociais, educacionais, do ponto de vista dos bens de consumo - quem não se lembra do wolksvagen? - etc, etc. Acho delicioso o facto de mencionares a alimentação, quando as pessoas, particularmente os jovens, se tornaram animais de cativeiro tão patéticos e influenciáveis, que é preciso, em tudo o que é programa, e documentário, voltar a ensiná-los a comer de forma minimamente saudável. Caem como tordos, infelizmente, com a saúde feita num oito. Mas pronto, já vai um off-topic do tamanho de um Big Mac. - Viva a sociedade de consumo! Sociedade de consumo, que deita milhares de toneladas de alimentos para o lixo. A mesma sociedade onde, ainda assim, existe fome. Um paradoxo de duas realidades grotescas, que se complementam como tal.

Paradoxalmente nunca antes tiveste tantas pessoas preocupadas com a nutrição, ou mesmo pessoas vegetarianas que renunciam voluntariamente da ingestão de carnes, por motivos que eles consideram éticos.
Em relação aos frutos do imperialismo e da guerra, de acordo, é nessas alturas que muitos estados resolvem aumentar o investimento no desenvolvimento de novas tecnologias. No entanto as novas tecnologias não são exclusivas de períodos de guerra e tudo depende do investimento aplicado. Exemplo disso é o CERN. Um dos passos mais importantes em matéria de inovação, de importância científica no último século, desenvolvido em período de paz e cooperação e do qual resultou a World Wide Web, a Internet.

Em relação aos excessos e desperdícios, sempre os houve. E eles aumentam exponencialmente conforme a qualidade de pessoas a alimentar. Como dizes é matemática. No entanto a tecnologia permite evitar uma situação ainda mais catastrófica, se não tivéssemos forma de conservar os alimentos, se ainda dependêssemos de métodos de conservação medievais, tendo em atenção a proporção de bocas a alimentar: ainda mais alimentos teriam de ser produzidos, com taxas de desperdício astronómicas.

Por falar em tecnologia: É a tecnologia e o conhecimento científico no campo da saúde que nos permite chegar à esperança média de vida que temos. Que nos permitiu apagar doenças como a varíola e a poliomielite do mapa, que nos permite restituir faculdades em caso de deficiência (inclusive próteses para substituir membros amputados), aumentar a capacidade de sobrevivência às mais variadas doenças, e a lista de melhorias é simplesmente enorme. A medicina e a tecnologia sozinha é por si só já uma excelente razão para preferir viver na modernidade, em comparação com o passado.

Para o que acusaste há um reverso da medalha que estás a ignorar, e que não tem paralelo no passado.

Aelle escreveu:
O homem preocupa-se mais com a ecologia? Isso é uma piada? O Homem, no último século e meio, durante a maravilhosa evolução e desenvolvimento industrial rebentou com o planeta! A Terra e o seu organismo, leia-se natureza, estão literalmente a cair de podres! Efectivamente, em teoria, o Homem não tem nenhuma alternativa, a não ser, preocupar-se com a ecologia! Isto, se quiser salvar o seu próprio coiro. Mas, mesmo para aqueles que julgam que o mundo é só aqui a Europa, e confiam na retórica pró-ambiente, há que lembrar que os governos do restante planeta nem sequer pelo diapasão da propaganda afinam. O Regime assenta no pressuposto da exploração sistemática, e ilimitada dos recursos do planeta. Até à exaustão e até à medula. O que, ironicamente, está também a levar à destruição do Ser Humano. Os Chineses neste preciso momento estão a esventrar a Floresta da Amazónia, em busca de recursos variados. O continente africano é palco da mesma situação, por parte de diversos Governos. Pequim incluída, claro. A mesma China, onde há zonas tão poluídas, que os cidadãos são forçados a sair à rua de máscara! Isto, claro, aquelas onde já não é possível disfarçar a toxicidade. Porque há muitas outras em que a decrepitude da atmosfera é respirada. A mesma realidade passa-se no México, e na América Latina. E um pouco por todo o mundo. Relembro também um pequeno pormenor, a maravilhosa energia nuclear! Que, se esquecermos o igualmente pequeno facto de ser a causa da tragédia de Hiroxima e Nagasaki - tragédia contínua, porque as radiações continuam, e continuarão a fazer vítimas - podemos, mesmo assim, lembrar-nos de outros desastres, como Chernobyl e mais recentemente, Fukushima. E, meus caros amigos, as sequelas que estes "incidentes" deixam, são bem mais destrutivas do que o Regime se atreve a admitir. Cancros, imunodeficiências, entre outras, etc, etc. Isto, claro, para mencionar apenas as mazelas atribuídas ao todo-poderoso Ser Humano. O conto nunca mais acaba: Lixo tóxico e nuclear: já ninguém sabe o que lhe fazer. É, literalmente, uma bomba relógio. "Isolam-no" em catacumbas, - e este isolam-no é para ler com muitas aspas, e nova triste ironia, - como quem varre o lixo para debaixo do tapete. Há quem pense em começar a lançá-lo no Espaço. É uma alegria! E para quê? Para sustentar o regime, com certeza. Portanto, se nos esquecermos de outro pequeno pormenor, que é o facto de as grandes potências - e até aquelas que não são assim tão grandes - estarem artilhadas com armas nucleares até aos dentes, arsenal suficiente para explodir e implodir com esta brincadeira dezenas de vezes, mesmo assim, enfim, começa a ser difícil negar a evidência. As coisas não parecem muito cor de rosas, no futuro. E claro, vamos acreditar, que a Humanidade nunca mais se envolverá num conflito mundial. Não! Claro que não! Ahah! No tocante à ecologia, muito mais haveria para dizer. As "fugas" de petróleo, no oceano, a poluição quase insultuosa e pornográfica, que faz parte de praticamente todas as sociedades. Em grande escala.

Concordo que todos esses problemas são graves e toma atenção que eu não afirmei que não existem problemas e desafios ecológicos que acompanharam paralelamente o aumento das populações e das suas necessidades energéticas e de recursos naturais. Não referi isso, talvez daí a tua má interpretação da minha posição. Eu não afirmei que está tudo óptimo e que já não temos problemas nenhuns. Afirmei foi que, no presente momento, mais e mais pessoas estão a mostrar preocupações ambientais e estão a tentar desenvolver formas de solucionar esses problemas - sejam eles problemas naturais ou antropogénicos. E até em termos de caça e exploração, nunca antes se deram tantas campanhas protecção ambiental, criação de parques protegidos, etc. A mudança de mentalidades para uma postura mais consciente é importante e é de registar, um movimento cada vez maior, em contraste com a exploração e caça totalmente desregrada.
Em relação à energia nuclear, tem os seus prós e contras (como muitas outras coisas). Eu sou a favor do desarmamento nuclear para fins militares. Mas há fins em que posso concordar com ela: Já pensaste por exemplo que a mesma poderá um dia dar-nos a capacidade de impedir um impacto de um cometa que de outra forma se provaria fatal para o humano e outros animais? Esse é um exemplo. De resto acho que devíamos tentar aproveitar ao máximo as energias renováveis que sejam menos intrusivas e prejudicais ao ambiente.





Aelle escreveu:
Seguinte: O Homem preocupa-se mais com os animais? Outra piada? Está muito engraçado, isto. O Homem, mais uma vez, para satisfazer as suas necessidades, cada vez maiores, e mais supérfluas, devido, lá está, à configuração do Regime, cuja palavra de ordem é consumir, consumir, usar, gastar, e rápido, porque se faz tarde, trata os animais como lixo! Nem sequer como bens de valor, mas lixo! São enfiados em gaiolas e cativeiros minúsculos, às vezes pouco maior do que o seu próprio tamanho, engordados, e depois de uma "vida" curta, infeliz e sofrível, são abatidos! Muitas vezes de forma incrivelmente dolorosa, e miserável. Decadente, triste. E a Europa, mais uma vez, nem será dos piores locais. Mas é mau! Não olhem para a Ásia, neste campo. Marcha tudo, tartarugas em vias de extinção que são mortas para - imaginem isto - a venda das suas carapaças; tigres, igualmente em risco, são massacrados porque - it gets better! - se acredita que consumindo certas partes do animal, a potência sexual aumenta a sua capacidade de performance. Filmes pornográficos com animais, consumidos por um número de pessoas doentiamente elevado, - onde é que andam as leis e as autoridades?! Isto é legal? Viva o Estado de Direito século XXI, elevado, repleto de valores, moral e ética! Nojo. Por todos os Deuses, como se diz aqui no Norte, abrir a pestana, que estas realidades não são assim tão obscuras.

Curiosamente nos EUA tens estados onde o casamento civil entre homossexuais não é legal, mas o comércio de pornografia com animais é. Há muitos cenários legais que precisam urgentemente de serem revistos por este mundo fora, por razões mais do que objectivas, justificadas, que anulam qualquer simples apelo à tradição. E não é preciso afastares-te muito: ainda tens as touradas em Portugal, algo inacreditável que ainda se pratica em pleno solo Europeu, onde é legal fazer aquilo ao touro com o fim exclusivo e único de obter aplausos. Felizmente acho que as touradas começam a ter os seus dias contados. Cada vez mais. À semelhança do que aconteceu na Catalunha (sinais de mudança muito positivos).

Sou a favor de medidas que tenham como objectivo melhorar as condições de vida dos animais (sejam eles de consumo ou não).

Em relação aos animais protegidos que ainda assim são caçados. Por outro lado estás a ignorar todas as iniciativas de conservação que se estão a fazer, medidas que nunca se deram ou que eram raras no passado [poderás argumentar que nunca se deram porque também não havia necessidade disso. Mas lembra-te do dodó (Raphus cucullatus), por exemplo. O problema da caça desregrada não é de agora]. Actualmente há cada vez mais restrições e protecção oferecida a várias espécies ameaçadas, bem como a protecção de parques florestais, que necessitam praticamente de uma força militar para impedir essa caça.
Curiosamente o que referes sobre as crenças em efeitos afrodisíacos e supostas curas [não provadas em controlo laboratorial] para doenças a partir de órgãos de animais (muitos dos quais ameaçados) é uma herdança de crenças milenares, algumas das quais parte de tradições medicinais orientais que não gozam de qualquer credibilidade medicinal internacional.
Esses golpes desferidos contra animais em risco de extinção (e o seu comércio) são feitos ilegalmente, muitas vezes violando até convenções internacionais como a Convenção de Washington (CITES) e várias outras, simplesmente porque "sempre se praticou" essa caça e porque se acha que esses ingredientes resultam de facto (apesar de não haver provas - e mesmo que houvesse, não seria razão para estar a caçar indiscriminadamente até à extinção). Não é algo que seja aceite internacionalmente, é algo feito recorrendo a autênticos mercenários armados que se encarregam do poaching (caça furtiva). É um problema complicado de controlar, dada a extensão territorial envolvida e as formas furtivas que são adoptadas por tais grupos. Mas concordo com qualquer medida que procure limitar ao máximo a facilidade de se proceder à caça furtiva.

Aelle escreveu:
Em relação à "Idade das Trevas". Bom, esse termo é associado à primeira Idade Média. Entre os séculos V e X, principalmente. Ou seja, coincide com o fim do Império Romano, e início do desmantelamento do conceito de Estado, emergência de reinos de inspiração tribal, etc. Tu não podes dizer que "para ti", o início da Idade das Trevas se deve à Igreja! Já estamos fora do domínio da opinião, é uma questão de análise dos factos. Aliás, a Igreja foi a instituição que permitiu uma certa unidade e homogeneidade, cultural, entre outras, na Europa Ocidental.

O termo "Idade das Trevas" aplica-se em muitos contextos e períodos da história, tanto de forma formal como informal. Eu refiro-me ao seu sentido lato que muitas vezes engloba a Idade Média completa (que lá está, não é um termo oficioso e como adverti nem todos os historiadores usam o termo), com os períodos finais da Idade Média a contemplar uma transição progressiva de ultrapassagem desse período. O problema foi exactamente esse: demasiada homogeneidade. Ao ponto de ter havido coacção contra qualquer "heresia" (que era vista como um afastamento dessa homogeneidade, e era preciso pouco para se considerar algo como uma heresia, bastava dizer que não condizia com as interpretações das escrituras). Foi a busca de manter tudo na mesma linha que levou a uma vida desnecessariamente dificultada a vários níveis para os estudiosos que se arriscavam a ir mais além dos temas "seguros" para a doutrina religiosa vigente. Eu especifiquei e dei os exemplos dos averroístas perseguidos. E essa pressão da Igreja não se ficou por aí. E mais triste: ainda no Renascimento ela se fazia sentir, com os já referidos casos de Galileu Galilei, Giordano Bruno, o uso do Index Librorum Prohibitorum, e por aí fora.
A noção de "idade das trevas" surge até como um contraste com o desenvolvimento observado durante a era dourada islâmica (A tal que tu também já referiste, que colocaram mouros e outros povos do Norte de África e Médio Oriente à frente da Europa em termos de avanços civilizacionais, científicos e culturais dessa altura) e igualmente em contraste com o boom intelectual do Renascimento e, mais tarde ainda, com o do Iluminismo.
A culpa não foi apenas da Igreja, mas a Igreja teve a sua quota parte enquanto estrutura que detinha na sua esfera de influência várias das sociedades europeias. E porquê? Exactamente por causa do dogmatismo. A relutância em ponderar mais além da sua interpretação das escrituras, o apelo à palavra divina, etc. Ainda hoje isso acontece. É contrário ao senso religioso alterar as doutrinas, pois elas dependem dessa inalienável ( inabalável) noção de confiabilidade na "verdade divina".
Dizer que a Igreja, enquanto organização hierárquica, teve culpas no cartório em muita da supressão intelectual que se registou é diferente de dizer que nenhum religioso cristão deu contributos intelectuais à Europa (e ao mundo) nessa altura, atenção. Houve de facto uma concertação organizacional para dissuadir vários indivíduos - incluindo cristãos influentes - de prosseguirem com os seus estudos considerados heréticos (afastamentos perigosos daquilo que a Igreja considerava ser compatível com a doutrina sagrada).

Isto é um facto e não pode - e não deve - ser apagado da história, nem branqueado. Já dei exemplos claros dessa perseguição como foi o caso do Averroísmo - importante por ser essencial para a Escolástica e subsequente Renascimento - que aqui se documenta com mais detalhe, de um livro que te aconselho para ler:

"In the intellectual history of Arabism the Jew and the Saracen are continually seen together. It was the same in their political history, whether we consider it in Syria, in Egypt, or in Spain. From them conjointly Western Europe derived its philosophical ideas, which in the course of time culminated in Averroism; Averroism is philosophical Islamism. Europeans generally regarded Averroes as the author of these heresies, and the orthodox branded him accordingly, but he was nothing more than their collector and commentator. His works invaded Christendom by two routes: from Spain through Southern France they reached Upper Italy, engendering numerous heresies on their way; from Sicily they passed to Naples and South Italy, under the auspices of Frederick II. But, long before Europe suffered this great intellectual invasion, there were what might, perhaps, be termed sporadic instances of Orientalism.
As an example I may quote the views of John Erigena (A.D. 800) He had adopted and taught the philosophy of Aristotle had made a pilgrimage to the birthplace of that philosopher, and indulged a hope of uniting philosophy and religion in the manner proposed by the Christian ecclesiastics who were then studying in the Mohammedan universities of Spain. He was a native of Britain. In a letter to Charles the Bald, Anastasius expresses his astonishment "how such a barbarian man, coming from the very ends of the earth, and remote from human conversation, could comprehend things so clearly, and transfer them into another language so well." The general intention of his writings was, as we have said, to unite philosophy with religion, but his treatment of these subjects brought him under ecclesiastical censure, and some of his works were adjudged to the flames. His most important book is entitled "De Divisione Nature.

(...)

Until Innocent IV. (1243), there was no special tribunal against heretics, distinct from those of the bishops. The Inquisition, then introduced, in accordance with the centralization of the times, was a general and papal tribunal, which displaced the old local ones. The bishops, therefore, viewed the innovation with great dislike, considering it as an intrusion on their rights. It was established in Italy, Spain, Germany, and the southern provinces of France. The temporal sovereigns were only too desirous to make use of this powerful engine for their own political purposes. Against this the popes strongly protested. They were not willing that its use should pass out of the ecclesiastical hand. The Inquisition, having already been tried in the south of France, had there proved to be very effective for the suppression of heresy. It had been introduced into Aragon. Now was assigned to it the duty of dealing with the Jews. In the old times under Visigothic rule these people had greatly prospered, but the leniency that had been shown to them was succeeded by atrocious persecution, when the Visigoths abandoned their Arianism and became orthodox. The most inhuman ordinances were issued against them--a law was enacted condemning them all to be slaves. It was not to be wondered at that, when the Saracen invasion took place, the Jews did whatever they could to promote its success."

(...)

An attempt was made at the Council of Vienne to have his writings absolutely suppressed, and to forbid all Christians reading them. The Dominicans, armed with the weapons of the Inquisition, terrified Christian Europe with their unrelenting persecutions. They imputed all the infidelity of the times to the Arabian philosopher. But he was not without support. In Paris and in the cities of Northern Italy the Franciscans sustained his views, and all Christendom was agitated with these disputes. Under the inspiration of the Dominicans, Averroes oceanic to the Italian painters the emblem of unbelief. Many of the Italian towns had pictures or frescoes of the Day of Judgment and of Hell. In these Averroes not unfrequently appears. Thus, in one at Pisa, he figures with Arius, Mohammed, and Antichrist. In another he is represented as overthrown by St. Thomas. He had become an essential element in the triumphs of the great Dominican doctor. He continued thus to be familiar to the Italian painters until the sixteenth century. His doctrines were maintained in the University of Padua until the seventeenth. Such is, in brief, the history of Averroism as it invaded Europe from Spain. Under the auspices of Frederick II., it, in a less imposing manner, issued from Sicily. That sovereign bad adopted it fully. In his "Sicilian Questions" he had demanded light on the eternity of the world, and on the nature of the soul, and supposed he had found it in the replies of Ibn Sabin, an upholder of these doctrines. But in his conflict with the papacy be was overthrown, and with him these heresies were destroyed.

In Upper Italy, Averroism long maintained its ground. It was so fashionable in high Venetian society that every gentleman felt constrained to profess it. At length the Church took decisive action against it. The Lateran Council, A.D. 1512, condemned the abettors of these detestable doctrines to be held as heretics and infidels. As we have seen, the late Vatican Council has anathematized them. Notwithstanding that stigma, it is to be borne in mind that these opinions are held to be true by a majority of the human race.

(...)


In Christendom, the greater part of this long period was consumed in disputes respecting the nature of God, and in struggles for ecclesiastical power. The authority of the Fathers, and the prevailing belief that the Scriptures contain the sum, of all knowledge, discouraged any investigation of Nature. If by chance a passing interest was taken in some astronomical question, it was at once settled by a reference to such authorities as the writings of Augustine or Lactantius, not by an appeal to the phenomena of the heavens. So great was the preference given to sacred over profane learning that Christianity had been in existence fifteen hundred years, and had not produced a single astronomer.


The Mohammedan nations did much better. Their cultivation of science dates from the capture of Alexandria, A.D. 638. This was only six years after the death of the Prophet. In less than two centuries they had not only become acquainted with, but correctly appreciated, the Greek scientific writers. As we have already mentioned, by his treaty with Michael III., the khalif Al-Mamun had obtained a copy of the "Syntaxis" of Ptolemy. He had it forthwith translated into Arabic. It became at once the great authority of Saracen astronomy. From this basis the Saracens had advanced to the solution of some of the most important scientific problems. They had ascertained the dimensions of the earth; they had registered or catalogued all the stars visible in their heavens, giving to those of the larger magnitudes the names they still bear on our maps and globes; they determined the true length of the year, discovered astronomical refraction, invented the pendulum-clock, improved the photometry of the stars, ascertained the curvilinear path of a ray of light through the air, explained the phenomena of the horizontal sun and moon, and why we see those bodies before they have risen and after they have set; measured the height of the atmosphere, determining it to be fifty-eight miles; given the true theory of the twilight, and of the twinkling of the stars. They had built the first observatory in Europe. So accurate were they in their observations, that the ablest modern mathematicians have made use of their results. Thus Laplace, in his "Systeme du Monde," adduces the observations of Al- Batagni as affording incontestable proof of the diminution of the eccentricity of the earth's orbit. He uses those of Ibn- Junis in his discussion of the obliquity of the ecliptic, and also in the case of the problems of the greater inequalities of Jupiter and Saturn. These represent but a part, and indeed but a small part, of the services rendered by the Arabian astronomers, in the solution of the problem of the nature of the world. Meanwhile, such was the benighted condition of Christendom, such its deplorable ignorance, that it cared nothing about the matter. Its attention was engrossed by image-worship, transubstantiation, the merits of the saints, miracles, shrine- cures. This indifference continued until the close of the fifteenth century. Even then there was no scientific inducement. The inciting motives were altogether of a different kind. They originated in commercial rivalries, and the question of the shape of the earth was finally settled by three sailors, Columbus, De Gama, and, above all, by Ferdinand Magellan.



(Excertos de "History of the Conflict between Religion and Science" de John William Draper [1875])

Aelle escreveu:
O que, de certo modo, permitiu que os Estados Europeus se relacionassem entre si, comunicassem, se influenciassem mutuamente, e partilhassem o seu percurso civilizacional e histórico. O que, igualmente, permite que, apesar de todas as guerras, os cidadãos europeus, principalmente no Ocidente, se relacionem entre si, sem sentir diferenças culturais particularmente relevantes. A aproximação entre as nações,- refiro-me particularmente às europeias - que tu aplaudes (e eu também) não é um produto do pós II Guerra! Repito: os regimes não programam a mentalidade colectiva e memória histórica dos povos. A Jugoslávia bem tentou. Esta aproximação, é, sim, fruto das razões e percursos históricos que eu apontei neste mesmo parágrafo. As afinidades e tensões manter-se-ão. Estão lá sempre.

Eu aplaudo a cooperação e aproximação de nações. Mas não de forma doutrinal, imposta e à base de conquistas forçadas. Não sou a favor de qualquer tipo de união com base na conquista militar e/ou religiosa. Depois dela estar formada, que remédio. Mas o processo não o suporto. As alianças e apoio entre grupos devem ser mutuamente acordadas, e não obrigadas através da coacção e imposição de domínio de uma das partes e subsequente criação de satélites (a fazer lembrar o processo de vassalização).

Aelle escreveu:
Mais, e voltando às origens das "Idade das Trevas", Átila, o huno, esteve a um passo de destruir Roma. O papa Leão conseguiu dissuadi-lo a fazê-lo. Ninguém sabe bem como. Provavelmente nunca tinha visto um pedaço de roupa limpo, muito menos branco. Em todo o caso, se os hunos tivessem arrasado a Europa Ocidental, o curso da História podia ter sido totalmente diferente. Em relação aos bárbaros germânicos, eles traziam consigo costumes distintos, inclusivamente alguns hábitos de segregação, que eu já apontei no comentário anterior. Entre muitos outros. Na verdade, a Igreja dos primeiros séculos obscuros funcionou como uma instituição "romanizadora" dos novos pseudo-estados emergentes. E por isso é que nós falamos uma língua latina, por exemplo. E, volto a dizer, apenas com a conversão ao Catolicismo, os Godos, na Península Ibérica, passaram a considerar como seus semelhantes, tanto socialmente, como juridicamente, os hispano-romanos. A própria sobrevivência da cultura literária, como eu já disse, bem como da manutenção e administração de algumas cidades, etc, deve-se à Igreja. Era a única instituição organizada que estava em campo. Apenas por isso. Qual teria sido, por exemplo, a história do Livro? Os hispano-romanos não passaram a falar Godo. Os Godos é que passaram a falar uma versão bastarda do latim. Que eventualmente deu origem aos vários idiomas peninsulares, com influências, poucas, do Godo e, em maior número, do Árabe. Isto são factos, goste-se ou não. Não se pode fazer a historiografia da hipótese, mas, é muito possível que, sem a acção da Igreja, a Europa pós-destruição do Império Romano, se tivesse tornado num conjunto de pequenos reinos tribais, que, do ponto de vista da nossa cultura actual, equivaleria a uma regressão civilizacional muito superior. Eu não digo que teria sido mau, ou bom. Repito: do ponto de vista da nossa cultura actual. Esses pequenos, primitivos e desarticulados reinos, inclusivamente, dificilmente teriam conseguido suster as invasões muçulmanas, por exemplo. Muito menos dar origem à Europa das Nações, como nós a conhecemos. E, por conseguinte, aos europeus, como nós o somos. Bom, exercícios de especulação.

Especular é fácil, e até dá para especular favoravelmente ou contrariamente a uma ideia. Eu considero a romanização como um processo de etnocídio dos povos europeus. Os romanos - e por extensão o Cristianismo propagado pela Igreja Católica, podem ter absorvido alguns traços aqui e acolá, para acomodar festividades pagãs, oferecer alternativas sob a forma de santos e tudo mais, mas no essencial as culturas pagãs que existiam pela Europa foram forçosamente apagadas ou diluídas até se tornarem suficientemente romanas em termos identitários. Para que compreendas melhor qual o porquê do meu ponto de vista: A minha objecção não está sequer a questionar se os frutos da romanização são positivos ou negativos a longo prazo, se os romanos trouxeram algo de positivo em termos organizacionais, tecnologia, agricultura, arquitectura, etc, mas sim o processo através do qual essa romanização ocorreu, muitas vezes recorrendo à escravatura dos próprios povos conquistados. Isso para mim não é positivo, trata-se de uma demonstração megalómana de poderio militar, um sentimento hegemónico que não vejo com bons olhos, nem no caso do Império Mongol, nem no do Império Romano, nem nos conquistadores Portugueses durante os Descobrimentos, nem em qualquer outro lado. É óbvio que existiam coisas positivas dentro do Império Romano, tal como existiam coisas positivas dentro de qualquer regime (mesmo os mais sangrentos e totalitários da história). Uma coisa é positiva ou negativa independentemente do background do proponente - Sim, o relativismo moral é absurdo. Mas os meios usados para atingir os fins, são esses que questiono.




Aelle escreveu:
Acrescente-se que muitas das realidades e instituições que ainda hoje sobrevivem, no nosso modelo civilizacional, e que são consideradas como pilares importantes do mesmo, nasceram na Idade Média. Coisas de pouca relevância, como por exemplo a Universidade Smile Há ideias feitas, dogmatismos, que são, pura e simplesmente, errados.


Há controvérsia quanto à originalidade da noção de universidade e onde terá surgido a primeira. Dentro da visão eurocêntrica, o modelo universitário não existia em mais lado nenhum e surgiu primeiramente em regiões europeias como Paris (por exemplo). No entanto isso é se ignorarmos exemplos como este, que a Unesco considera ser a universidade mais antiga do mundo: [url]http://en.wikipedia.org/wiki/University_of_Al-Karaouine[url].

À parte disso, Universidades como a de Paris foram sem dúvida muito importantes e influentes, e foi através dela que o Averroismo obteve uma preciosa adopção por entre mentes europeias, antes de ser banido e se declarar a queima dos livros contendo as ideias, claro está... lol!

Aelle escreveu:
Entendamos isto: A Igreja, após a queda de Roma, foi herdeira da ideia de Império. E também de Estado. E foi influenciando os povos bárbaros nesse sentido. Sempre por motivos políticos, como é óbvio. Não é essa a questão. Temos que ser objectivos. Os reis germânicos, entre outros, tinham o hábito e o costume tribal de dividir o património entre todos os seus filhos, e legá-lo como herança. Aliás, é uma realidade que o nosso Direito herdou dos Visigodos. Todos os filhos herdam uma parte do seu pai. Esta tradição, por muito bonita que seja, traduzia-se em aberrações como a partilha de reinos inteiros! O rei franco Carlos Magno apoiou-se na Igreja no sentido de tentar construir uma espécie de Estado. A Renascença Carolíngia. Após a sua morte, e do seu filho, o Império Carolíngio acabou por se desmantelar, porque foi dividido entre os seus três netos. É elucidativo da instabilidade, fruto dos costumes tribais, que grassava na época. Claro que, o objectivo da Igreja era controlar os chefes de estado laicos, com certeza. E vice-versa. A fraqueza dos "Estados" alimentava o feudalismo, e impedia a existência de uma ordem pública, que aplicasse com eficácia, pelo menos nas principais cidades, algumas leis gerais. A protecção dos cidadãos ficava, pois, a cabo dos senhores feudais. A troco da submissão.

As cruzadas são pregadas em 1095, por motivos políticos, e sociais. Mais uma vez. Houve um crescimento demográfico bastante acelerado, e os recursos agrícolas, agro-pecuários, etc, deixaram, pura e simplesmente, de poder alimentar uma parte demasiado significativa da população. Importa dizer que os "cruzados", pilhavam igualmente os seus irmãos de fé. Bizâncio, por exemplo, foi saqueada.

Sim, a Igreja é herdeira da hegemonia do Império Romano.

Aelle escreveu:
O massacre de Lisboa decorreu em 1506, ou seja, já depois do período onde convencionalmente se insere a Idade Média. Tal como muitos outros factos e eventos históricos que referiste. Relativamente ao massacre, mais que motivos religiosos, são outra vez, questões e tensões sociais, e políticas. Os Judeus, em Lisboa, já detinham um poder económico e financeiro bastante grande. Aproveitaram bem, por exemplo, a evolução comercial dos finais da Idade Média. Que é quando surgem os primeiros bancos, por exemplo.

A ideia de que os Judeus controlavam os bancos todos e eram todos ricos não é historicamente correcta, por muito que tivessem existido judeus ricos (e a praticar a usura) e outros muito influentes em ciências como Maimónides (como ainda hoje são, basta consultar a lista de Prémios Nobel).
Faz parte de um estereótipo que raramente se aplica da forma como se tenta fazer crer. É importante não esquecer que muitos judeus eram pobres e relegados a cidadãos de segunda em várias zonas da Europa, muito por causa da constante Diáspora, com uma vida à margem das sociedades, frequentemente recebidos com rasgos de anti-semitismo (muito herdado da ideia de que os Judeus é que foram responsáveis pela morte de Jesus), as acusações feitas a Herodes, "O rei dos Judeus", e tudo mais. Essa é a génese de muito do anti-semitismo permeado em várias sociedades europeias desde que o anti-semitismo começou a surgir há uns bons séculos atrás.
Foi nas terras geridas por mouros e árabes que os Judeus encontraram uma aceitação pacífica, simbiose, sem o anti-semitismo que se fazia sentir na Europa.
As razões apontadas aquando do Massacre de Lisboa prendem-se com o uso dos judeus como bodes expiatórios para abarcar com as culpas da peste negra e da seca. Existe muita excentricidade de pretextos usados na altura para perseguir judeus.

Aelle escreveu:
Alemanha Nacional-Socialista: Ainda hoje, a zona da Baviera, particularmente as terras mais pequenas, é incrivelmente católica. É próxima da cultura romana, o sul da Alemanha. Aliás, o regime e a estrutura do III Reich era profundamente, e nitidamente, influenciado por Roma. E também Esparta, que pouca gente conhece. A ideia do cidadão subordinado ao Estado, a ideia de uma raça superior, a ideia Imperial, expansionista, as legiões, os estandartes, a saudação imperial, lá está, o Imperador, o Fuhrer, o povo em armas, a segregação étnica militante, tropas de elite representantes da nata do povo, etc, tudo isto é Roma. Tudo isto é Esparta. Enfim, tudo isto é a espécie humana, mas foi a esses modelos que os Nacional-Socialistas foram buscar muitas influencias directas. Os Nacional-Socialistas, estou convencido, tiveram necessidade de se escudar no Cristianismo, para arregimentar as massas. De qualquer forma, era um Cristianismo à medida dos alemães, e da sua cultura. Eu volto a insistir nisto: a oficialização das crenças não apaga a essência de um povo. E a forma como ele se relaciona com o que o rodeia. Seja ele qual for.

Precisamente. Para além disso é facílimo encontrar grupos de extrema direita supostamente de inspiração cristã. Porque faz parte do cliché afirmar que a verdadeira identidade europeia é tradicionalmente cristã...
Logo a começar pelo David Duke e o seu KKK, considerados uma referência (ou mesmo uma simbiose!) por vários núcleos de inspiração neo-nazi, onde são venerados; grupos como a Aryan Nations,
Já para não fala do fascismo de Mussolini (que oficializou o Vaticano enquanto estado), também ele cristão, ou mesmo do partido Unione Nazionale, estabelecido com a permissão do Papa Pio XI... Enfim.
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MensagemAssunto: Re: A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas   A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas Icon_minitimeTer maio 07, 2013 3:14 am

Segunda parte da resposta (não cabia tudo na mesma, bounce)


Aelle escreveu:
Dentro do próprio Partido Nacional-Socialista, e do regime, havia sensibilidades diferentes, relativamente à postura a adoptar, em termos de política externa. Hitler era, acima de tudo, um Europeu. Era um amante das artes, gostava da Europa, e, embora considerando a raça germânica superior, era muito mais pragmático, e apreciador da cultura latina. Lembremos-nos que Hitler era austríaco, e, acreditem, um austríaco não vê necessariamente com bons olhos um alemão. Hitler era um admirador e amigo de Mussolini, e aliado da Itália. E as palavras-chave aqui são admirador e amigo. Eventualmente, deixou de ser admirador, mas manteve-se amigo. Hitler faz-se fotografar, quando invade Paris, com a torre Eiffel como cenário. Hitler adorava Paris, por exemplo. Tentou aproximar-se do Reino Unido. Por outro lado, detestava a Europa de Leste, e desprezava os Eslavos. Nesse aspecto, Himmler afinava por outro diapasão. Apreciava a Europa de Leste, do ponto de vista étnico, e das suas afinidades com a Germânica. Neste campo. Aliás, as SS raptaram muitas crianças ucranianas - que preenchessem os requisitos étnicos, físicos, e estéticos - às suas famílias, para as educarem como futuros soldados de elite.

Anti-semitismo: Bom, mais uma vez, motivos políticos e sociais. A Igreja não detém este monopólio, nem sequer na Idade Média. Muito menos nos séculos XX e XXI.

Não detém este monopólio, mas está na génese de muito desse sentimento. Até mesmo no protestantismo, Martinho Lutero era visceralmente anti-semita.


Aelle escreveu:
Quanto ao casamento homossexual: não me parece que seja um direito fundamental. Eu fiz os paralelismos precisamente para dar ênfase à questão das prioridades. Porque se fez um incrível alarido, debates, etc, etc, à volta disto, precisamente porque é um "tema fracturante", ideal para entreter o zé-povinho

Então deixa cá ver: se o casamento homossexual se tornar reconhecido legalmente em todo o ocidente, significa que os políticos deixam de ter um assunto para entreter o zé povinho? Se sim, então não é positivo que ele seja aprovado o mais rápido possível na Europa de forma a deixar de existir uma desculpa para distrair o zé povinho? Não vá o zé povinho continuar a ficar distraído com o assunto e não reparar que há uma crise... Oh wait, isso simplesmente não acontece. Uma acusação dessas é irrealista e absurda. Ninguém se distrai com o assunto e deixa de se preocupar com tudo o resto. Não há ninguém que se tenha esquecido dos restantes problemas só por causa da problemática dos direitos dos homossexuais [ou os de qualquer outra pessoa injustificadamente impedida de beneficiar de direitos que os restantes cidadãos podem beneficiar].

O casamento entre homossexuais é reconhecido na Suécia, Dinamarca e na Noruega. Será que também foi para distrair o zé povinho? Ou foi por ser uma decisão legítima e justificada, tendo em conta a importância desse evento para o ser humano?
A mim parece-me que reduzir o casamento entre pessoas do mesmo sexo a uma manobra de distracção de políticos é de uma relutância crassa em atribuir/reconhecer qualquer importância à concessão de direitos a quem deles está privado. É fazer vista grossa, não reconhecer onde está a necessidade, um problema que não é de agora e é mais antigo que qualquer preocupação política moderna.


Aelle escreveu:
enquanto tudo o resto, a política digna desse nome, que decide, sim, as vidas das pessoas, é realizada na obscuridade. Insistindo ainda na questão do casamento homossexual, do ponto de vista dos costumes, calculo que quase tudo seja discutível. No entanto, a meu ver, uma sociedade deve preservar alguns traços, na lei, que a definam, do ponto de vista cultural. Por exemplo, porque é que não é permitido andarmos nus na rua? Uma vez que há tribos, por esse mundo fora, onde tal acontece, e é uma situação perfeitamente normal. Mas, lá está, é a cultura desses homens e mulheres, e não a nossa. Há países onde um homem se pode casar com várias mulheres, para dar outro exemplo. Porque não estudar essa hipótese, e eventualmente aplicá-la aqui?

Não me oponho a qualquer alteração devidamente justificada das construções sociais, como a abolição das touradas, o fim da escravatura, os direitos dos homossexuais, os direitos das mulheres, os direitos dos negros. Independentemente do que tenha sido a "tradição" e a noção "cultural" no passado. As construções sociais devem ser debatidas e devem ser promovidas ou revogadas com base na validade das razões apresentadas. Em relação à nudez, não é apenas nas tribos. Pode usar-se o argumento de que *todos* os animais andam nus, excluíndo aqueles que (graças ao seu pêlo, penas, concha ou outra condição morfológica) permanecem com a pele normalmente coberta. O ser humano é que cria noções (que variam) sobre o que deve ou não ser feito e institui-as legalmente, impondo-as a toda a gente. Em relação à nudez não é excepção, e mesmo às roupas e alguns adereços puramente estéticos (que não fornecem qualquer tipo de protecção térmica), o que não falta são diferentes posições sobre o que deve ou não ser vestido/usado.
As roupas têm utilidade para os seres humanos, especialmente tendo em conta que os seres humanos não têm muito pêlo e distribuem-se geograficamente por muitas zonas do planeta - necessitam delas para ajudar contra os elementos naturais.
Em relação ao nudismo na praia, sou completamente a favor. E não tenho nada contra o nudismo fora da praia (ou trajes bastante reduzidos, como de resto já se usam) se tal for a vontade da pessoa. Desde que ela siga a sua vida sem prejudicar ninguém, óbvio.


Aelle escreveu:
A propósito, é engraçado teres mencionado as superstições dos povos, porque a conversão de algumas tribos africanas ao Cristianismo, findou com certas práticas daquela natureza, verdadeiramente atentatórias à dignidade de qualquer ser vivo. Ainda hoje, algumas delas praticam mutilação genital feminina. E canibalismo-homicida. A europeização/ocidentalização, etiquetada com o rótulo da evangelização cristã, acabou com alguns desses comportamentos.

Correcto. Os ameríndios, por exemplo, praticavam largos sacrifícios humanos em oferenda aos seus Deuses.

Aelle escreveu:
E, como tu disseste, e bem, ao mesmo, cometeu crimes horríveis.

Sim, ao mesmo tempo a Igreja cometeu crimes horríveis (porventura igualmente horríveis aos tais atentados que já eram comuns entre os nativos colonizados).
Mas mesmo que a Igreja não tivesse cometido nada de especial: este assunto é tal como nas minhas objecções em relação à romanização forçada dos povos, a minha consideração prende-se com a forma como foi conduzida esse processo, e não tanto com o desfecho - por muito que esse possa ser considerado uma agravante ou não.

Se a preocupação era acabar com a barbárie, então deveriam tentar outras formas de reformar a sociedade para além da imposição/colonização e subsequente etnocídio. Afinal de contas somos humanos. Se conseguimos ser diferentes de muitos animais para tanta coisa, dando uso à racionalidade, à inteligência, é bom que sejamos capazes de ser convencidos a alterar algum comportamento social objectivamente reprovável, nocivo, através da racionalidade, da perspicácia, ao invés de ser através da imposição etnocida.

Aelle escreveu:
Não nos enganemos, eu abomino a Igreja Católica. Como igualmente abomino versões simplistas e branqueadoras da verdade histórica. Insisti em apontamentos de factos que buscam a mesma, com o maior distanciamento possível. No entanto, recuso-me a desresponsabilizar o género humano. A Igreja Católica é uma instituição obscurantista, como, eventualmente, são todas as que visam o poder. Essas mesmas instituições atrairão, sempre, oportunistas, pessoas sem escrúpulos, e as massas humanas, que se portam, habitualmente, como animais de manada. As pessoas, "organizadas" dessa forma, entre outras, revelam os seus instintos predatórios, violentos, opressores e sádicos mais obscuros. Deliravam com as queimas da Inquisição, com os massacres do Circo de Roma, com os sacrifícios, etc. Faz parte, esta sede predatória humana. Brota em todos os campos. Até em realidades aparentemente simples e lúdicas, como é um simples jogo de futebol. Deixando o estudo da espécie, e voltando ao da natureza da instituição, no que toca à Igreja, podemos, por exemplo, fazer um paralelismo quase gémeo com o Partido Comunista da União Soviética. Forma de funcionamento do aparelho, arregimentação, perseguição dos dissidentes, etc. E claro, tomada do poder por indivíduos que, de comunistas, colectivistas, tinham muito pouco, como se viu. Compreendendo que, para se construir um regime político, é necessário uma organização, para o bem ou para o mal. Mas, para estar em comunhão com o divino, a própria existência de uma instituição dessa natureza, é uma contradição gritante. Tratar-se-á sempre de política. A existência das instituições organizadas, do ponto de vista filosófico, é útil, no sentido em que é uma janela aberta para a simplicidade bestial da espécie humana. E perigosa também. Talvez um dia eu escreva um tratado intitulado "Why I am Not a Humanist". Lerei o senhor Bertrand Russell. E a questão não é a discordância pela discordância. É a diferente forma de abordar as coisas. Quanto mais abrangente, melhor. O dogma e o sectarismo, estão presentes em cada esquina. E no âmago da generalidade das pessoas. É a natureza. Mesmo quando menos se espera.

Concordo que a oportunidade faz muitas vezes o ladrão, ressalvando a aleatoridade de um indivíduo poder ser mais propenso que o outro e, porventura, de alguns que, por convicção, jamais procurarão prejudicar alguém (conhecido ou desconhecido) intencionalmente.
As razões desses comportamentos são estudadas pela psicologia e pela neurociência. Experiências como a "bobo doll" estudam precisamente isso: o contágio do sentimento de agressividade. http://en.wikipedia.org/wiki/Bobo_doll_experiment



Aelle escreveu:
A idade em que vivemos hoje, em grande medida, não é menos obscurantista que outras quaisquer. A própria ciência, e desenvolvimentos tecnológicos, só são aceites se servirem o regime. Já há tecnologia e conhecimento suficientes para terminar com o uso dos combustíveis fósseis, por exemplo. Há protótipos de veículos movidos a água. Há também projectos de automóveis, cuja chapa resistiria às consequências dos choques, num acidente de viação.

Não tenho grandes dúvidas que a seu tempo (após mais algum amadurecimento) mais e novas formas de aproveitar as energias renováveis, de custo reduzido (a curto ou longo prazo), estarão comercialmente disponíveis, tal como já se pode adquirir um painel solar e tornar assim uma casa mais ou menos auto-sustentável em energia eléctrica.
A bem dizer, se não fossem aceites e não servissem "o regime", essas formas que referes nunca teriam vindo a público nem teriam obtido financiamento para decorrerem.


Aelle escreveu:
É arrepiante, como é que na era da comunicação global, as pessoas se permitem viver como insectos, seguindo o estilo de vida que lhes é imposto. Não questionam nada, nem tomam atitudes. Vivemos num regime em que o objectivo é o lucro pelo lucro. O consumo pelo consumo. E as indústrias reinantes são, principalmente, a bélica (comércio de armas), e farmacêutica. Basicamente, interessa ao regime que haja guerras, e doenças. A "indústria da doença" é arrepiante. Empresas como a Merck estão cheias de processos, porque, felizmente, ainda há jornalismo de investigação. Unidas a médicos corruptos - demasiados - criaram uma máfia, à custa da saúde e do orçamento, dos pacientes e dos Estados, que patrocina o consumo exagerado de medicamentos e fármacos. O "paciente" saudável, muitas vezes é induzido em sentido contrário. Toma medicamentos que lhe vão causar efeitos secundários terríveis, muitas vezes fatais e incapacitantes. Casos dos anti-depressivos, anti-psicóticos, e medicação contra a osteoporose. Apenas para dar alguns exemplos.

O problema dos antidepressivos é acima de tudo o risco de provocar dependência, visto que muitos deles favorecem a obtenção de dopamina, adrenalina e serotonina (que regulam o quão agradável e satisfeita se sente a pessoa). É essa a lógica do seu funcionamento, dar ao cérebro os neurotransmissores que revertem a condição emocional que a pessoa não está a conseguir reverter sozinha. Para muitas pessoas acaba por resultar, inclusive pessoas que estavam deprimidas há anos e que na altura não recorreram a qualquer tipo de ajuda.

E sim, muitos medicamentos têm potenciais efeitos nocivos. Mas o que também tem potenciais efeitos nocivos é a rejeição de medicamentos. A chave está em tentar obter o maior número de benefícios e evitar o maior número de malefícios. Há que reconhecer que os medicamentos e os cuidados de medicina em geral são uma das razões pelas quais a esperança média de vida subiu tanto em tão pouco tempo (uns três ou quatro séculos bastaram para duplicar, praticamente) e se registam melhorias na cura de tantos problemas de saúde ou mesmo na erradicação de doenças. Por outro lado também há rumores e inverdades espalhadas a respeito da vacinação, como foi o caso da acusação da vacinação contra o sarampo provocar autismo, que lançou o pânico, mas que simplesmente não é verdade. Mas ainda hoje é usado como argumento de indivíduos que se opõem a toda e qualquer vacinação, por vezes incorrendo em teorias conspiratórias altamente rebuscadas.


A propósito, vídeo curto, menos de 2 minutos (que está disponível na íntegra » aqui «):


Em relação ao resto, há irregularidades na industria farmacêutica, assim como há irregularidades em muitas áreas sociais. Especialmente onde há dinheiro envolvido.



Aelle escreveu:
Sabendo que é do teu conhecimento, mas por uma questão de justiça, e compromisso com os factos da actualidade, porque a nossa conversa é aberta a outros participantes, - pelo menos o Kraft já interveio - uma última menção:

De qualquer forma, e para estarmos atentos, acho relevante lembrar outras religiões organizadas, que, nos dias que correm, são causas maiores de situações de guerra, terrorismo, aniquilamento, genocídio, e imperialismos vários. Inclusivamente económico e financeiro. O plasma das sociedades. Os israelitas, escudando-se no Judaísmo, ocupam uma terra que não é a sua. Não contentes com isso, expandem-se, qual "povo eleito", em colonatos bacterianos, como vírus, à custa dos Palestinianos, e quem ousar contrariar a ordem imperial dos Judeus. Através das incursões do exército israelita, ou de terrorismo "de iniciativa privada", a palavra de ordem é varrer do mapa, literalmente, todo e qualquer ser humano que não seja judeu. Leia-se, exercer violência, e até, em muitos casos, cometer homicídios. A sangue frio, ou através de atentados. Neste caso, os palestinianos. A "Comunidade Internacional", devido ao poderio financeiro e económico dos Judeus, o que significa, no Regime vigente, deter igualmente as rédeas do poder político, não pode fazer nada. Nem quer.

Exacto, Israel tem tido uma conduta totalmente reprovável. Muitos judeus são inclusivamente contra o próprio estado - especialmente um estado erigido neste tipo de operação militarista. Exemplo disso é o Rabi Weiss, ou o Dr. Norman Finklestein.
E sim, os sionistas usam e abusam do holocausto e da acusação de anti-semitismo para tentar suprimir qualquer oposição à conduta israelita, por mais justificada que seja.

Não é anti-semitismo condenar o uso de fósforo branco e bombas de fragmentação (que estão proibidas internacionalmente pela Convenção de Oslo, quando usadas para fins militares em zonas densamente povoadas, que é o caso).

Isto para além de a própria Tora, supostamente, não fornecer qualquer tipo de legitimidade para a criação de um estado para judeus, pois a Tora afirma que esse território só pode ser criado após a vinda do Messias (que no caso do Judaísmo, supostamente ainda não veio), as mesmas escrituras incentivam por isso mesmo os judeus à Diáspora até que tal aconteça. Mas enfim, Israel é um estado que parece estar pouco preocupado com as escrituras e mais com a toma política do território.


Aelle escreveu:
No domínio da política interna, Israel, ao contrário do que diz a propaganda ocidental, não é nenhum exemplo de democracia, nem de direitos humanos! Abrirei outro tópico nesse sentido. Em algumas cidades e localidades israelitas, as mulheres que se atreverem a sentar-se à frente, nos autocarros, são expulsas ou espancadas. São igualmente proibidas de entrar em algumas livrarias, e outros locais "públicos."

Acusações de "apartheid" a Israel não são raras... E com razão.

Infelizmente o Hamas também é uma bela desgraça para os palestinianos.
Mesmo no que diz respeito aos direitos das mulheres, ainda há umas semanas as Nações Unidas cancelaram a maratona de Gaza porque o Hamas proíbiu a participação de mulheres no evento.

Aelle escreveu:
Quanto ao Islamismo, outra realidade lamentável. Os movimentos extremistas decidem cometer atentados terroristas que matam e estropiam dezenas de milhares de pessoas inocentes, que não têm nada a ver com a justa luta pela libertação anti-israelita. Em termos de política interna, há países onde a homossexualidade, por exemplo, é punida com a morte. E o roubo, com a mutilação.

O próprio Hinduísmo, que não faz parte do trio fantástico do pseudo-monoteísmo médio oriental, contêm em si traços culturais que se traduzem em verdadeira selvajaria social, e na vida quotidiana das pessoas, particularmente na Índia.


E enfim, discussões tão intermináveis como interessantes. E úteis.

O Islamismo das sociedades extremamente religiosas está mergulhado num clima de fundamentalismo absolutamente depressivo. É triste que consigam estar muito piores do que há 1000 anos atrás em termos culturais e de aposta científica. Hoje em dia o objectivo dos fundamentalistas que dizem lutar pelo Islão parece ser, acima de tudo "ser o contrário absoluto do ocidente".

O hinduísmo tem o sistema de castas sociais que é absurdo e completamente prejudicial aos cidadãos, que se vêem mergulhados numa condenação eterna à pobreza e cidadania inferior, apenas por pertencerem a uma casta "inferior".

E até grupos Budistas -- o Budismo que é comummente associado a ideais pacíficos, de não-violência -- estão envolvido em apelos à perseguição e morte de indivíduos de outras religiões:

http://www.reuters.com/article/2013/04/08/us-myanmar-violence-specialreport-idUSBRE9370AP20130408
http://www.bbc.co.uk/news/magazine-22356306
https://en.wikipedia.org/wiki/Bodu_Bala_Sena
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MensagemAssunto: Re: A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas   A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas Icon_minitimeQua maio 08, 2013 4:40 pm

Só para dizer que não li nada disto Razz (com muita pena minha pois é um tema que me interessa). Alguem faz-me um resumo Razz
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MensagemAssunto: Re: A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas   A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas Icon_minitimeDom maio 26, 2013 9:30 pm

Váli escreveu:
Só para dizer que não li nada disto Razz (com muita pena minha pois é um tema que me interessa). Alguem faz-me um resumo Razz

Não sejas preguiçoso. Razz
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MensagemAssunto: Re: A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas   A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas Icon_minitimeSex maio 31, 2013 2:46 am

Váli escreveu:
Só para dizer que não li nada disto Razz (com muita pena minha pois é um tema que me interessa). Alguem faz-me um resumo Razz

Fazes mal, Váli! Porque é mais condenável a falsa humildade do que a fria objectividade, devo dizer que este debate tem muitos focos de interesse, e está bastante bem fundamentado. Cumprimentos ao Averróis por partilhar comigo esta conversa.

Em defesa do Váli, devo dizer que para quem não tem alguns conhecimentos de base, poderá ser difícil e confuso acompanhar estas páginas todas. Pelo menos algumas.

Bom, muito mais haveria a dizer. - Uma das minhas frases de marca, parece-me! - E há. As análises históricas, e da sociedade, devem ser feitas com o máximo de isenção possível. E quão irónicos, muitas vezes, são os desfechos de certas etapas da vida colectiva de determinada civilização.

Lembremo-nos que a Igreja, após o refinamento e últimos retoques da sua evolução institucional, voltou-se, inclusive, para cristãos que professavam heresias. Os movimentos de pobreza voluntária, os Humiliati, e os cristãos cátaros, ou albigenses. Estes últimos foram das primeiras vítimas da Inquisição. Os interesses da Igreja abraçavam os do poder secular, e pelo caminho, numerosos adversários políticos de ambos eram eliminados.

Relativamente ao movimento de pobreza voluntária, para não ser demasiado longo, faço uma transcrição:

"Para Pedro de Bruys ou Henrique de Lausana a hierarquia eclesiástica é a grande corruptora da vida da Igreja. Por isso, é preferível viver à margem desta. Para se salvar, basta uma fé de conteúdo nitidamente espiritual, um baptismo que se recebe com discernimento, portanto na idade adulta, e uma caridade entre os crentes. As predicações de Arnaldo de Bréscia, contemporâneas das dos anteriores, insistiram, em contrapartida, na renúncia que a Igreja deveria fazer do seu poder e riquezas. Arnaldo, rebelado contra o papa, a quem expulsa da cidade, pôde sofrer na própria carne a conivência dos poderosos. O imperador Frederico I repôs o pontífice, e em 1155 Arnaldo de Bréscia era executado, depois de ter sido declarado herege."

Aqui temos um de muitos casos, de cristãos considerados hereges. O autor, fazendo uso de uma boa dose de humor negro, brinca, dizendo que, para a Igreja blindada, pós reforma Gregoriana, os próprios Evangelhos e Escrituras Sagradas, corriam sérios riscos de serem declarados hereges. Com efeito, subscrevo. O poder político da Igreja era o caminho a seguir, e os seus interesses, o tesouro a proteger. Não se tratava, desde há muito tempo, de seguir qualquer doutrina religiosa, ou espiritual. Neste caso, Cristã. Poderia ter sido outro qualquer, o homem, ou figuras mitológicas, a suportar as típicas escaladas totalitárias desta natureza.

No que toca aos cristãos albigenses, vejamos algumas das suas crenças, e doutrinas:

"Dentro desta, a identificação entre o mal e o material implicava a recusa da validade dos sacramentos, ou na crença das espécies sacramentais, ou na própria ressurreição dos mortos. Estes, quanto muito, poderiam reencarnar-se em formas cada vez mais espirituais."

Estes cristãos acreditavam-se, inclusivamente, na reencarnação. Bastante pagão. É óbvio que estavam a brincar com o fogo, literalmente. Reacções da Igreja, e do Poder Secular:

"Os Dominicanos tinham-se forjado em parte no combate dialéctico com os hereges cátaros do Languedoc. Não estranha por isso que, quando a Igreja estimou que tinha chegado o momento de a pregação se unir à pesquisa sobre os comportamentos presumivelmente heréticos, os dominicanos tivessem sido, em boa parte, os encarregados de a realizar. Desta forma, no Sul da França, a Igreja aprontou mecanismos de pesquisa ou inquisição sobre as condutas, aplicando aos réus de heresia diversas penas, que podiam acabar com a morte na fogueira. Nestes casos, era a autoridade secular a encarregada de executar as condenações. Isto criou, desde o seu início, uma conivência entre poderes eclesiástico e laico. Para este era muito tentador tratar de eliminar o inimigo político sublinhando a sua condição de herege, enquanto para a Igreja era igualmente atraente contar com a força de alguns poderosos para recuperar as regiões perdidas para a fé ou ameaçadas pelos cátaros, que tanto beneficiou os senhores da França setentrional, capitaneados por Simon de Monfort, cobrou algumas vítimas da realeza, como Pedro II de Aragão, morto em Muret em 1213, onde o tinha levado a obrigação de auxiliar os seus vassalos do Midi francês. Desta forma, entre 1205 e 1230, foi-se pondo de pé a Inquisição."

Os tais Dominicanos, de que tu falaste, e bem. O que pouca gente sabe, é que, em grande parte, estes procedimentos de repressão extrema, e eliminação física, tiveram como origem, fazer desaparecer, principalmente, heresias cristãs. O aparelho estava montado. Por isso, atenção, quando se fala de Igreja, principalmente Católica, convém não esquecer que estamos perante uma instituição com interesses e agendas políticas bem definidas. Que, como é óbvio e notório, não incluíam o estudo, o debate, e a difusão do Cristianismo, enquanto doutrina.

O Código da Vinci diz, em tom de brincadeira, que o facto de Cristo ser filho de Deus, foi algo decidido e votado no Concílio de Niceia, na era de Constantino. Bom, em certa medida, acaba por ser verdade. Os Arianos aproximavam-se da posição dos Muçulmanos. Homem "especial," sim, mas... um homem. Não um Deus.

Todos sofrem às mãos da Humanidade organizada em grupos. A Igreja Católica usava o termo hereges, na história contemporânea usamos o termo "dissidentes." Bom, já falámos sobre isto ao longo do tópico.

Não resisto, no entanto, a lembrar a recente intervenção do nosso "Presidente" Cavaco Silva, chefe de Estado e mais alto magistrado desta nossa República, tão laica que ela é, em que atribui uma alegada boa nota que os professores da Troika deram ao Governo, à Nossa Senhora de Fátima. Temos aqui um combo completo! O nosso "Presidente" congratula-se, por interesses estrangeiros, imperialistas, e devoradores do Estado e da subsistência da Nação - a tal que é suposto ele defender - estarem satisfeitos com os constantes golpes de machete que este governo faz ao nosso país, e, cereja no topo do bolo - bolo-rei, que é o que ele aprecia. Outra ironia, o nome do bolo... - faz um agradecimento à Nossa Senhora, mãe de Deus, rogai por nós, pelo facto consumado. Amén.

Estes tipos nem são cristãos, nem são pagãos, nem são nada. Bolor, infecções, primatas predadores. Decadência e apatia completas. Na terra da República, e da Liberdade!

Edit.: O livro que usei para fazer as transcrições é um dos volumes da colecção que já referi anteriormente:

História Universal, Alta Idade Média II, Instituto Galach. Obra editada pela Oceano. Numerosos historiadores estão envolvidos, mas o autor principal, e original, é o mesmo do volume anterior: José Ángel de Aguirre. Catedrático de História Medieval. Universidade de Barcelona, se não estou em erro.








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MensagemAssunto: Re: A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas   A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas Icon_minitimeSex maio 31, 2013 5:44 pm

Igualmente, Aelle, saúdo-te pela saudável troca de impressões.

Aelle escreveu:
Lembremo-nos que a Igreja, após o refinamento e últimos retoques da sua evolução institucional, voltou-se, inclusive, para cristãos que professavam heresias. Os movimentos de pobreza voluntária, os Humiliati, e os cristãos cátaros, ou albigenses. Estes últimos foram das primeiras vítimas da Inquisição. Os interesses da Igreja abraçavam os do poder secular, e pelo caminho, numerosos adversários políticos de ambos eram eliminados.

Relativamente ao movimento de pobreza voluntária, para não ser demasiado longo, faço uma transcrição:

"Para Pedro de Bruys ou Henrique de Lausana a hierarquia eclesiástica é a grande corruptora da vida da Igreja. Por isso, é preferível viver à margem desta. Para se salvar, basta uma fé de conteúdo nitidamente espiritual, um baptismo que se recebe com discernimento, portanto na idade adulta, e uma caridade entre os crentes. As predicações de Arnaldo de Bréscia, contemporâneas das dos anteriores, insistiram, em contrapartida, na renúncia que a Igreja deveria fazer do seu poder e riquezas. Arnaldo, rebelado contra o papa, a quem expulsa da cidade, pôde sofrer na própria carne a conivência dos poderosos. O imperador Frederico I repôs o pontífice, e em 1155 Arnaldo de Bréscia era executado, depois de ter sido declarado herege."

Aqui temos um de muitos casos, de cristãos considerados hereges. O autor, fazendo uso de uma boa dose de humor negro, brinca, dizendo que, para a Igreja blindada, pós reforma Gregoriana, os próprios Evangelhos e Escrituras Sagradas, corriam sérios riscos de serem declarados hereges. Com efeito, subscrevo. O poder político da Igreja era o caminho a seguir, e os seus interesses, o tesouro a proteger. Não se tratava, desde há muito tempo, de seguir qualquer doutrina religiosa, ou espiritual. Neste caso, Cristã. Poderia ter sido outro qualquer, o homem, ou figuras mitológicas, a suportar as típicas escaladas totalitárias desta natureza.

Infelizmente a alta hierarquia da Igreja sempre usou essa arma do combate às heresias para desbastar, um a um, a oposição e para manter um clima de coacção, intimidação de todos aqueles que ousassem questionar sequer algum ponto ou vírgula do modus operandi da Igreja e/ou das suas doutrinas. E isso é gravíssimo porque faz com que qualquer indivíduo tema pela sua vida por coisas tão básicas quanto estudar os mecanismos da natureza, como o caso de Galileu.


Outra coisa que irrita é a insolência com que se fazem de desentendidos quando são apanhados com a pata na poça.
Neil Degrasse Tyson tem uma frase que pinta bastante bem alguns desses breakthroughs científicos:
“Every great scientific truth goes through three phases. First, people deny it. Second, they say it conflicts with the Bible. Third, they say they’ve known it all along.”

Com o assunto do evolucionismo não foi excepção. Depois da oposição da Igreja, eis que o Vaticano aceita agora o evolucionismo e diz que não há qualquer conflito com a ideia da existência de um Deus criador e o registo bíblico. Os islâmicos idem, agora afirmam que o Alcorão descreve "com perfeição" o mecanismo do evolucionismo.

Faz lembrar o ditado: Se não os podes vencer, junta-te a eles. Quando confrontados com uma realidade (e porque contra factos não há argumentos), estes grupos religiosos acabam eventualmente por ceder e por agir como se não tivesse existido qualquer oposição histórica, por vezes argumentando até que as escrituras sagradas demonstram plenamente esse conhecimento muito antes da ciência chegar a essa conclusão. Lol.

E como referiste: Dinheiro. A Igreja adora deter um enorme poder económico. A noção do voto de pobreza aparentemente só se aplica à mais baixa hierarquia, os meros peões. Todos aqueles que se insurgiram contra a simonia/indulgências como uma forma da Igreja enriquecer têm sido combatidos por essa Igreja sedenta de poder económico. O climax desse sentimento foi durante o período do já referido Martinho Lutero, pai da reforma protestante. A Igreja ficou danada com a expansão do luteranismo e colocou em marcha o seu movimento de contrarreforma. As pessoas estavam a ganhar aversão à corrupção da Igreja e a adoptar o protestantismo como uma alternativa menos corrupta, "mais fiel" à mensagem divina.

Aelle escreveu:
No que toca aos cristãos albigenses, vejamos algumas das suas crenças, e doutrinas:

"Dentro desta, a identificação entre o mal e o material implicava a recusa da validade dos sacramentos, ou na crença das espécies sacramentais, ou na própria ressurreição dos mortos. Estes, quanto muito, poderiam reencarnar-se em formas cada vez mais espirituais."

Estes cristãos acreditavam-se, inclusivamente, na reencarnação. Bastante pagão. É óbvio que estavam a brincar com o fogo, literalmente. Reacções da Igreja, e do Poder Secular:

"Os Dominicanos tinham-se forjado em parte no combate dialéctico com os hereges cátaros do Languedoc. Não estranha por isso que, quando a Igreja estimou que tinha chegado o momento de a pregação se unir à pesquisa sobre os comportamentos presumivelmente heréticos, os dominicanos tivessem sido, em boa parte, os encarregados de a realizar. Desta forma, no Sul da França, a Igreja aprontou mecanismos de pesquisa ou inquisição sobre as condutas, aplicando aos réus de heresia diversas penas, que podiam acabar com a morte na fogueira. Nestes casos, era a autoridade secular a encarregada de executar as condenações. Isto criou, desde o seu início, uma conivência entre poderes eclesiástico e laico. Para este era muito tentador tratar de eliminar o inimigo político sublinhando a sua condição de herege, enquanto para a Igreja era igualmente atraente contar com a força de alguns poderosos para recuperar as regiões perdidas para a fé ou ameaçadas pelos cátaros, que tanto beneficiou os senhores da França setentrional, capitaneados por Simon de Monfort, cobrou algumas vítimas da realeza, como Pedro II de Aragão, morto em Muret em 1213, onde o tinha levado a obrigação de auxiliar os seus vassalos do Midi francês. Desta forma, entre 1205 e 1230, foi-se pondo de pé a Inquisição."

Os tais Dominicanos, de que tu falaste, e bem. O que pouca gente sabe, é que, em grande parte, estes procedimentos de repressão extrema, e eliminação física, tiveram como origem, fazer desaparecer, principalmente, heresias cristãs. O aparelho estava montado. Por isso, atenção, quando se fala de Igreja, principalmente Católica, convém não esquecer que estamos perante uma instituição com interesses e agendas políticas bem definidas. Que, como é óbvio e notório, não incluíam o estudo, o debate, e a difusão do Cristianismo, enquanto doutrina.

Dois pontos essenciais a tomar como nota:

1) Uma promiscuidade entre o laicismo e uma denominação religiosa em detrimento das restantes é lamentável. Infelizmente isto acontece e deve ser criticado. Temos por exemplo o nosso Presidente da República a misturar demasiada religião com os assuntos oficiosos do Estado Português. É triste que invoque santos católicos durante o desempenho das suas funções como chefe de Estado como fez há umas semanas atrás, já para não falar na panóplia de eventos de índole católica em que participa. Mas enfim. Que estes indivíduos cospem na constituição, já se reparou.

2) O conceito de heresia tem sido dinâmico, ajustável, conforme o que é conveniente ou não para o poder da Igreja. A Igreja revela-se como uma grande organização mafiosa. Aliás, o próprio Deus da bíblia parece-se em tudo com um chefe da máfia que não tem problemas em coagir e torturar todos aqueles (e por vezes a sua família inteira) que não cumpram com as suas indicações.

Aelle escreveu:
O Código da Vinci diz, em tom de brincadeira, que o facto de Cristo ser filho de Deus, foi algo decidido e votado no Concílio de Niceia, na era de Constantino. Bom, em certa medida, acaba por ser verdade. Os Arianos aproximavam-se da posição dos Muçulmanos. Homem "especial," sim, mas... um homem. Não um Deus.

Todos sofrem às mãos da Humanidade organizada em grupos. A Igreja Católica usava o termo hereges, na história contemporânea usamos o termo "dissidentes." Bom, já falámos sobre isto ao longo do tópico.

Não resisto, no entanto, a lembrar a recente intervenção do nosso "Presidente" Cavaco Silva, chefe de Estado e mais alto magistrado desta nossa República, tão laica que ela é, em que atribui uma alegada boa nota que os professores da Troika deram ao Governo, à Nossa Senhora de Fátima. Temos aqui um combo completo! O nosso "Presidente" congratula-se, por interesses estrangeiros, imperialistas, e devoradores do Estado e da subsistência da Nação - a tal que é suposto ele defender - estarem satisfeitos com os constantes golpes de machete que este governo faz ao nosso país, e, cereja no topo do bolo - bolo-rei, que é o que ele aprecia. Outra ironia, o nome do bolo... - faz um agradecimento à Nossa Senhora, mãe de Deus, rogai por nós, pelo facto consumado. Amén.

Estes tipos nem são cristãos, nem são pagãos, nem são nada. Bolor, infecções, primatas predadores. Decadência e apatia completas. Na terra da República, e da Liberdade!

Edit.: O livro que usei para fazer as transcrições é um dos volumes da colecção que já referi anteriormente:

História Universal, Alta Idade Média II, Instituto Galach. Obra editada pela Oceano. Numerosos historiadores estão envolvidos, mas o autor principal, e original, é o mesmo do volume anterior: José Ángel de Aguirre. Catedrático de História Medieval. Universidade de Barcelona, se não estou em erro.

Pois leio agora que também fizeste referência à triste figura do nosso chefe de Estado a promiscuir-se com a religião no exercício das suas funções... É para lá de absurdo. É cuspir em tudo o que é valor primordial da República Portuguesa.


Última edição por Averróis em Sex maio 31, 2013 5:54 pm, editado 2 vez(es)
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MensagemAssunto: Re: A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas   A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas Icon_minitimeSex maio 31, 2013 5:51 pm

Não concordo que a igreja ou a religião em geral influencie a cultura. Temos o caso do Japão e da China que são paises com várias religiões influentes e com culturas aproximadas há nossa apesar de diferente em religião. Muito antes da existencia do cristianismo já existia toda uma rede cultural a qual não pode ser mudada por simples imposição da igreja. Ora a igreja não fez mais do que aproveitar ferramentas culturais já existentes e manipula-las.

Por exemplo a ideia de herege é uma precepção quase primitiva, associada ao estrangeiro, ao desconhecido. Ainda hoje em muitas tribos existe uma preferencia pelas crenças tradicionais da região e um sentimento de repulsa em relação às outras culturas. É assim na amazonia, em Africa, no Pacifico. Os filosofos modernos chamam a isso de etnocentrismo: a crença de que a nossa sociedade é superior por exemplo á dos incas.

O maxismo já existia muito antes do cristianismo e até de um modo muito mais radical, ainda hoje nas tribos pode ser observado.

É verdade que existe alguma forma de influencia, mas também existe uma culpabilização errada por parte dos atacantes da igreja. Preconceitos contra os gays existem em varios tribos pagãs. Para mim a influencia da igreja resume-se às questões cientificas e aos dogmas, não propriamente ao tecido cultural. Para mim Jesus ou Buda tiveram tanta influencia na cultura como tem actualmente o Ronaldo ou Passos Coelho.





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MensagemAssunto: Re: A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas   A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas Icon_minitimeSex maio 31, 2013 6:18 pm

De fora muito sucinta, respondendo às tuas alegações, Vali:

Váli escreveu:
Não concordo que a igreja ou a religião em geral influencie a cultura. Temos o caso do Japão e da China que são paises com várias religiões influentes e com culturas aproximadas há nossa apesar de diferente em religião. Muito antes da existencia do cristianismo já existia toda uma rede cultural a qual não pode ser mudada por simples imposição da igreja. Ora a igreja não fez mais do que aproveitar ferramentas culturais já existentes e manipula-las.

Tens noção que a China e o Japão são dois dos países menos religiosos do mundo? Vai consultar os dados demográficos, talvez te surpreendas com a absurdidade da comparação que estás a tentar fazer.
Além disso o que aqui tem estado a ser debatido até se refere aos períodos onde existia uma teocracia ou uma semi-teocracia. Onde efectivamente o clero fazia parte de uma influente componente social até no exercício da política.

E obviamente que a religião não tem grande poder de influência actualmente nas nossas sociedades seculares, pois não só abundam os não-religiosos, como os próprios religiosos são muitas vezes os "não-praticantes", que já não querem saber da religião para os mais variados aspectos das suas vidas e esses não dão grandes ouvidos ao que um chefe de uma denominação religiosa tem a dizer. A religião está a caminho de entrar em coma em várias sociedades europeias.


Váli escreveu:
Por exemplo a ideia de herege é uma precepção quase primitiva, associada ao estrangeiro, ao desconhecido. Ainda hoje em muitas tribos existe uma preferencia pelas crenças tradicionais da região e um sentimento de repulsa em relação às outras culturas. É assim na amazonia, em Africa, no Pacifico. Os filosofos modernos chamam a isso de etnocentrismo: a crença de que a nossa sociedade é superior por exemplo á dos incas.

Os hereges não têm de ser obrigatoriamente influenciados por culturas externas. Um herege pode ser um herege doméstico, que simplesmente tenta dar início a uma nova denominação ou facção religiosa, opondo-se de certa forma a alguns aspectos da denominação dominante, que detém o poder (e que depois tenta admoestar esses dissidentes). Por exemplo Martinho Lutero não teve nada a ver com influências exteriores. Foi uma ruptura interna no seio do Cristianismo europeu.

Váli escreveu:
O maxismo já existia muito antes do cristianismo e até de um modo muito mais radical, ainda hoje nas tribos pode ser observado.

Machismo?
O Machismo já existia muito antes do cristianismo, sim.
Ninguém afirmou que foi o cristianismo que deu início ao machismo.
Foi criticado o reforço do machismo de forma estrutural por parte da Igreja, uma das razões pelas quais ele se tornou tão pernicioso ao nível institucional. E essa crítica surge principalmente em confrontação com a ideia de que a Igreja funciona em consonância com a palavra divina, como se fosse menos falível, divinamente guiada.
É a Igreja que prega à boca cheia praticar o bem e nunca o mal, afirma-se como uma autoridade moral muitas vezes "inquestionável", como se fosse exemplar, quando está muito, mas muito longe de o ser.
É tendo em conta esse cenário que surge a crítica da má conduta da Igreja para catalisar sentimentos perniciosos como o machismo, o patriarcado. Claramente não é inquestionável nem idónea na luta pela justiça social e pela moralidade.

Váli escreveu:
É verdade que existe alguma forma de influencia, mas também existe uma culpabilização errada por parte dos atacantes da igreja. Preconceitos contra os gays existem em varios tribos pagãs. Para mim a influencia da igreja resume-se às questões cientificas e aos dogmas, não propriamente ao tecido cultural. Para mim Jesus ou Buda tiveram tanta influencia na cultura como tem actualmente o Ronaldo ou Passos Coelho.

É irrelevante que os preconceitos contra gays existam noutras tribos. Estamos a falar de uma Igreja que se pronuncia frequentemente como exemplar, divinamente guiada, cumpridora da vontade divina. Se realmente o é, seria de esperar que tivesse uma conduta mais "iluminada" e "isenta", já que com grandes posições e alegações surgem grandes responsabilidades.

A menos que queiras dizer que a Igreja é tão reles e falível, absurda, como qualquer outra denominação religiosa de outro ponto do planeta, não merecedora de qualquer tipo de confiança acrescida quando em comparação com as outras - nesse caso estou absolutamente de acordo.


Em relação à influência da religião na sociedade... Are you kidding me? Historicamente há períodos onde a cultura, política e religião são uníssonas, indiferenciáveis entre si, onde a religião estava patente em todas as áreas sociais. Principalmente nesses períodos de teocráticos e semi-teocráticos.
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MensagemAssunto: Re: A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas   A Influência da Igreja Católica nas Sociedades Humanas Icon_minitimeDom Jan 25, 2015 11:08 am

Ui também sou uma das pessoas que não leu isto tudo, só li por alto e em vez de concordar ou discordar, vou dar a minha opinião.

É verdade que a Igreja tem manipulado muito a humanidade e a forma como a sociedade se formou. Independentemente do presente em que mais e mais pessoas estão a desapegar-se da Igreja (ou pelo menos deixam de se conformar cegamente aos ensinamentos e procuram a sua própria verdade dentro da fé cristã).

No entanto se formos ver nos tempos das conquistas, os cristãos mataram muitas pessoas e destruíram culturas em nome de "Deus", aproveitaram-se das Deidades de vários panteões para "santificá-las" e converter os pagãos da altura.

Sem falar da fonte enorme de conhecimento que está escondida nas Bibliotecas do Vaticano, e à qual não temos acesso. Isso só pode ser uma coisa: manipulação. Significa que as coisas preciosas que lá tem guardadas são obras que iriam desmascarar a verdade por trás da Igreja.
Vendo isto de outra forma, se antigamente o Cristianismo era praticado com medo de Deus e os actos podiam ser bárbaros e cruéis, no tempo de hoje o Cristianismo tornou-se mais manso mas adquiriu uma conotação económica, e tudo o que tem símbolo de dinheiro nunca pode ser completamente moral ou limpo.

A Igreja ao longo dos anos teve diferentes objectivos, e ultimamente com este novo Papa pode se ver muitas barreiras a serem ultrapassadas.

MAS será isto uma verdadeira mudança no Cristianismo? Ou será algum método para apelar a mais pessoas, removendo as limitações morais que tinham estabelecido até agora, de forma a enredar mais e mais pessoas no movimento Cristão, para depois salvar as suas almas à custa de esmolas e Aves Maria?

Ao reler-me apercebi que desfoquei do objectivo disto tudo - mas pronto, ainda se ouve muitas mulheres a defender a virgindade antes do casamento, mulheres que já fizeram abortos e que dormiram com metade da cidade a quererem casar-se de branco numa igreja na qual sempre entraram arrastadas e mal dispostas. Vê-se pessoas a dar esmola na Igreja para Deus mas virarem as costas a mendigos na rua, afogar animais bebés por não poderem sustentá-los enquanto na Bíblia está escrito para ajudar todos os que necessitam de ajuda, incluindo animais, apesar de nas primeiras páginas da criação também dizer que todo o que a terra produzir é nosso e podemos usar/consumir (isso inclui marijuana e vacas, pelo que sei)... Pronto, basicamente a nossa sociedade está completamente enraizada nas crenças católicas, que são mal aplicadas e desfasadas da realidade, o que resulta numa cambada de hipócritas que não sabem o que fazer e que decisões tomar e que se condenam uns aos outros porque foi isso que a Igreja nos ensinou.

Haha tenho um feeling que vocês me vão cair em cima T.T é melhor parar com a minha divagação revoltada agora haha
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